terça-feira, 14 de novembro de 2017

FERNANDO PESSOA:O NASCIMENTO DOS HETERÓNIMOS [1]









RICARDO REIS


1913


É médico. De formação latinista e helenista. Escreve Odes, é pagão, um exilado, monárquico, acaba por viajar para o Brasil.



ALBERTO CAEIRO


Por oposição derivada, nasce Alberto Caeiro. É o mestre, de educação filosófica, a sua filosofia é não ter nenhuma. Escreve poesia.


ÁLVARO DE CAMPOS


É o mais novo; o mais rebelde; o mais irreverente; o mais destemido [profere as mesmas ordinarices que os anteriores também disseram.

** Quando nascem os 3 heterónimos em 1914, o terreno já estava preparado; existiam outros anteriores e depois de Campos, poucas surgiram.



O que diferencia todas as personagens literárias referidas anteriormente dos heterónimos?

- Responde Fernando Pessoa:

A diferença corresponde a graus diferentes de despersonalização que Pessoa colocou em cada um deles.

Nas personagens literárias, Pessoa OUTROU-SE de uma forma menor do que nos heterónimos. As personagens literárias ainda têm o cordão umbilical do poeta; não têm uma autonomia própria.


Com António Mora e Bernardo Soares, o corte do cordão deu-se mas a separação não se concretizou.



Em 1935, escreve numa carta a Adolfo Casais Monteiro:


Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas. Não tinha eu mais que cinco anos, e, criança isolada e não desejando senão assim estar, já me acompanhavam algumas figuras de meu sonho — um capitão Thibeaut, um Chevalier de Pas — e outros que já me esqueceram, e cujo esquecimento, como a imperfeita lembrança daqueles, é uma das grandes saudades da minha vida.
Isto parece simplesmente aquela imaginação infantil que se entretém com a atribuição de vida a bonecos ou bonecas. Era porém mais: eu não precisava de bonecas para conceber intensamente essas figuras. Claras e visíveis no meu sonho constante, realidades exactamente humanas para mim, qualquer boneco, por irreal, as estragaria. Eram gente.
Além disto, esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.
Trata-se, contudo, simplesmente do temperamento dramático elevado ao máximo; escrevendo, em vez de dramas em actos e acção, dramas em almas. Tão simples é, na sua substância, este fenómeno aparentemente tão confuso.  (...) 

 excerto



São várias as categorias das personagens literárias... estas são diferentes do seu autor mas ligadas a ele [de estilo igual mas de resto, diferentes]. 
Já os semi-heterónimos são personagens literárias mais agravadas, mais separadas do seu autor.

No heterónimo, o corpo é outro, não é sombra; é diferente do corpo do seu autor. Por sua vez, o heterónimo surge quando não tem nada a ver com o autor, chegando mesmo a discordar dele.


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