Fragmentos e mais fragmentos.
Assim é feito o Livro.
Do que é feito o Poeta.
Na procura da união, tentando
encontrar-se, escreve-Se.
O Livro do Desassossego nasceu um ano antes dos três
heterónimos, Caeiro, Campos e Reis, e Pessoa trabalhou nesta obra o resto da sua
vida.
Não se lhe conhece um plano ou uma “história”.
Foi-se projetando nos horizontes que ele próprio estendia à medida que iam
sendo (des)escritos, Livro e Pessoa, e em que ficavam cada vez menos
concretizáveis como isso mesmo, isto é, como livro e pessoa.
128.
Repudiei
sempre que me compreendessem. Ser compreendido é prostituir-se.
Prefiro
ser tomado a sério como o que não sou, ignorado humanamente, com
decência
e naturalidade.
Nada
poderia indignar-me tanto como se no escritório me estranhassem.
Quero
gozar comigo a ironia de me não estranharem. Quero o cilício de me
julgarem
igual a eles. Quero a crucificação de me não distinguirem. Há martírios mais subtis
que aqueles que se registam dos santos e dos eremitas. Há suplícios da
inteligência
como os há do corpo e do desejo.
E
desses, como dos outros, suplícios há uma volúpia.
Livro
do Desassossego,
Bernardo Soares [Fernando Pessoa]