sábado, 25 de fevereiro de 2012

Uma nota de pesar


é sempre um misto de tristeza e de alegria que nos assalta no final de cada ciclo escolar, aquele momento em que nos despedimos dos alunos no 12º ano. por aqui, essa tarefa revela-se facilitada visto ser um concelho onde todos se conhecem e acompanham percursos de vida e mesmo eu, não sendo daqui, acabo por descobrir mais um irmão, um primo de alguém que perdi no tempo e que, vindo a ser meu aluno, já me conhecia antes de o ser. habituamo-nos.

por vezes, todo esse conhecimento vem à tona da pior forma, por razões que nos marcam, entristecem, que nos obrigam a questionarmo-nos sobre o destino e as prioridades que fazem bandeiras. eu sei que o bom senso prevalece, ainda assim...

tinha 23 anos. a última vez que o vi, há 2 ou 3 anos, estava de passagem pela escola para falar com um antigo professor. fazia parte de uma turma que juntaram a uma minha no 12º ano pelo que conheci-o nesse ano, tempo suficiente, no entanto, para poder dizer que era o melhor aluno da turma, respeitador, educado e detentor de outras qualidades que faziam dele um elemento promissor no futuro. estava a acabar o curso. quis o destino que ao volante de um Audi tivesse o encontro fatal com um autocarro que transportava adeptos de um clube polaco na noite de 24 de fevereiro. e porque por aqui tudo se sabe e rapidamente, soubemos nós que era ele quem conduzia o Audi e não um homem de 40 anos como era noticiado. triste de qualquer maneira, mais triste, desculpem-me, porque se tratava de um jovem em início de vida.
na circunstância, revoltante também.

"morrem cedo aqueles que os deuses amam" diz o Poeta.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

PREPARAÇÃO PARA O "TESTE FLS" 3

Preparação para o teste sobre o texto dramático
FREI LUÍS DE SOUSA

Texto:
Cena III do Ato Primeiro, desde o início até à primeira e única fala de Telmo.
Questões:
1 – Integre o excerto transcrito na estrutura da obra a que pertence.
(esta questão é (quase) obrigatória. Aqui, sem novidade mas aconselho-vos a que redijam uma resposta e completa para perceberem como devem responder de forma correta e completa em situação de teste.)
2 – Neste excerto de FLS encontram-se três personagens em cena.
2.1 – Indique o assunto principal da conversa e dois que lhe estejam associados.
2.2 – Apresente a perspetiva de Maria sobre a figura de dom Sebastião.
2.3 – Exponha os argumentos que dona Madalena contrapõe à opinião de Maria.
3 – Releia a segunda fala de Maria.
3.1 – Identifique os sentimentos nela expressos.
4 – Maria refere-se a dom Sebastião como “o nosso bravo rei, o nosso santo rei dom Sebastião”, “meu querido rei dom Sebastião”, “o pobre do rei”.
4.1 – Descreva os efeitos de sentido produzidos por esta sequência de expressões.
5 – Caracterize, a partir de elementos do texto, a relação de Maria com Telmo e com Madalena.
6 – Aponte três características do Romantismo presentes no excerto transcrito.

PREPARAÇÃO PARA O "TESTE FLS" 2

ATO III, Cena IV e Cena V, FLS
DESDE  
TELMO (só)
ATÉ
… oh, sois vós, senhor?
1 – Integra estas cenas na estrutura da obra, evidenciando em que ponto do conflito dramático as personagens se encontram.
2 – Identifica os sentimentos que Telmo expressa no monólogo da cena IV.
3 – Analisa a reação do Romeiro às palavras finais de Telmo na referida cena.
4 – Comenta a fala proferida à parte por Telmo na cena V.
5 – Explicita as funções das indicações cénicas dadas ao longo do texto.
6 – Descreve, de forma sintética, as sucessivas atitudes de Telmo face ao Romeiro na cena V.


PREPARAÇÃO PARA O "TESTE FLS" 1

ATO I, Cena VIII, FLS
DESDE  
Manuel (passeia agitado de um lado…)
ATÉ
… que os há-de** alumiar
**(há-de = há de no novo acordo ortográfico)
Questões
1 – Integra esta cena na estrutura da obra, evidenciando em que ponto do conflito dramático as personagens se encontram.
2 – Caracteriza as duas personagens em cena, fundamentando a tua resposta em elementos do texto.
3 – Explicita as características da linguagem usada por Madalena mais evidentes nesta cena, mostrando como se adequam à índole da personagem e ao estado afetivo que ela vive.
4 – Sinaliza, no excerto, um indício claro da desgraça que está iminente e explica-o por palavras tuas.

ESCUTO O TEU SILÊNCIO I

Phalaenopsis


Por sempre te amar

 Por vezes, distraio-me
E teu nome toma-me, vem à tona
É quando repleta de ternuras
Repouso a solidão das minhas mãos
Em letras que conspiram saudades

Que fazer desta inquietude do sentir
Que aporta sempre em teus horizontes
Quando teus olhos sequer sabem de mim?
Meu coração comete atos que já não ouso
Parece dado aos desatinos e desvarios

Não me alcança o tempo do esquecer-te
Em ti descobre-se o meu sonho pelo mundo
Dispensando os ponteiros da razão.
No sopro das minhas lembranças
Chamo-te infinito, outra vezes eternidade.

Fernanda Guimarães


segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

ERROS DE TODOS OS DIAS I

Não / Sim

Agradecê-mos muito /Agradecemos muito
A gente não estamos satisfeitos / A gente não está satisfeita
Vocês hadem pagá-las / Vocês hão de pagá-las (hão de – novo ac. ort.)
É preciso agir rápidamente / É preciso agir rapidamente
Tu também andastes nos escuteiros? /Tu também andaste…)
Eu daria-lhe outra oportunidade / Eu dar-lhe-ia outra oportunidade
Deiam-nos as vossas opiniões / Dêem-nos as vossas opiniões
Um dia hades ver que tenho razão / Um dia hás de ver que tenho razão  (hás de – novo ac. ort.)
Eles devem de estar a chegar / Eles devem estar a chegar
Se quisesse-mos, tínhamos ido / Se quiséssemos, tínhamos ido

domingo, 19 de fevereiro de 2012

VÍCIOS DE LINGUAGEM I

Solecismos:
- Erros de concordância
(as regras gramaticais da concordância não são respeitadas.)

A troca...teve


Dado serem duas pernas, diga-se VOS quero...


Metade dos partidos já VEM... concordância com Metade.




Não / Sim


Fazem cinco anos que […]
Faz cinco anos que […]
Houveram muitos acidentes
Houve muitos acidentes.
Aluga-se casas.
Alugam-se casas.
Precisam-se de operários.
Precisa-se de operários.
Procura-se empregados.
Procuram-se empregados.
Tratam-se dos melhores profissionais.
Trata-se dos melhores profissionais.
Não passavam das oito da manhã quando […]
Não passava das oito da manhã quando […]
Obrigado. – disse a rapariga.
Obrigada. – disse a rapariga.
Meia louca
Meio louca.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

DRAMA OU TRAGÉDIA? A CLASSIFICAÇÃO DE FLS




«Garrett disse na Memória ao Conservatório que o conteúdo de Frei Luís de Sousa tem todas as características de uma tragédia. No entanto, chama-lhe drama, por não obedecer à estrutura formal da tragédia:
não é em verso, mas em prosa;
não tem cinco atos;
não respeita as unidades de tempo e de lugar;
não tem assunto antigo.
Sendo assim, quase podemos dizer que é uma tragédia, quanto ao assunto. Na verdade,
1.          o número de personagens é diminuto;
2.          Madalena, casando sem ter a certeza do seu estado livre, e Manuel de Sousa, incendiando o palácio, desafiam as prepotências divinas e humanas (a hibris);
3.          uma fatalidade ( a desonra de uma família, equivalente à morte moral), que o assistente vislumbra logo na primeira cena, cai gradualmente (climax) sobre Madalena, atingindo todas as restantes personagens (pathos);
4.          contra essa fatalidade, os protagonistas não podem lutar (se pudessem e assim conseguissem mudar o rumo dos acontecimentos, a peça seria um drama); limitam-se a aguardar, impotentes e cheios de ansiedade, o desfecho que se afigura cada vez mais pavoroso;
5.          há um reconhecimento: a identificação do Romeiro (a agnorisis);
6.          Telmo, dizendo verdades duras à protagonista, e Frei Jorge, tendo sempre uma palavra de conforto, assumem o papel do coro grego.
Mas, por outro lado, a peça está a transbordar de romantismo:
1.          a crença no sebastianismo;
2.          a crença no aparecimento dos mortos, em Telmo;
3.          a crença em agouros, em dias aziagos, em superstições;
4.          as visões de Maria, os seus sonhos, o seu idealismo patriótico;
5.          o «titanismo» de Manuel de Sousa incendiando a casa só para que os Governadores do Reino a não utilizassem;
6.          a atitude que Maria toma no final da peça ao insurgir-se contra a lei do matrimónio uno e indissolúvel, que força os pais à separação e lhos rouba.
Se a isto acrescentarmos certas características formais, como

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CARACTERÍSTICAS DA TRAGÉDIA GREGA



Características da Tragédia Clássica:
1.      Efeitos sobre o público:     
·         Inspirar sentimentos de terror e piedade
2.      Características gerais:
2.1. 
Personagens de alta estirpe (social e moral).
2.2. Presença de um coro: conjunto de personagens que não intervêm diretamente na ação e cuja função é comentar determinados momentos da ação à medida que esta se vai desenrolando.
2.3. Lei das três unidades:
 ·         unidade de ação – a intriga deve ser simples, sem ações secundárias, de modo a evitar dispersão, aumentando assim a tensão dramática;
 ·         unidade de espaço – toda a ação deve desenrolar-se no mesmo espaço;
 ·         unidade de tempo – a duração da ação dramática nunca deve exceder as 24 horas.
2.4. Estrutura tripartida da ação:
·         Exposição – apresentação das personagens; esboçar do conflito ligado a um mistério na origem das personagens, mistério provocado pela força oculta do Destino o qual se revela através de indícios, que apontam para um desfecho trágico e para o desvendar do mistério inicial.
·         Progressão dramática – desenvolvimento do conflito que se encaminha para um clímax ( pathos – ponto culminante da ação trágica) em que se desvenda o mistério, ligado a uma relação de parentesco oculta ( reconhecimento / anagnórise);
·         Desenlace / Catástrofe – o fim das personagens é sempre a morte (física, social ou afetiva).


·             Aconselha-se a leitura de extratos da Memória ao Conservatório Real para, confrontando com as características gerais da tragédia clássica e do drama romântico, se inserir o Frei Luís de Sousa na tipologia dos textos dramáticos.            

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“ Memória ao Conservatório”
   Na Memória ao Conservatório Real, lida quando ofereceu o Frei Luís de Sousa à prestimosa instituição, afirma Garrett que a peça capaz de entusiasmar o homem moderno é o drama romântico. Expõe esse acerto comentando a peça que leva na mão.
a)      Um assunto de tragédia
Começa por dizer que na «história do Frei Luís de Sousa, (...) há toda a simplicidade de uma fábula trágica antiga». A catástrofe é um duplo suicídio: Manuel de Sousa e Madalena morrem para o mundo. Poderia com o enredo construir uma verdadeira tragédia se quisesse.
b)      Mas não quis fazer uma tragédia
E continua a expor o dramaturgo que não lhe deu o nome de tragédia, porque:
-          o assunto não é antigo;
-          não quis usar o verso;
-          utilizou a prosa, pois mal parecia não colocar prosa na boca do melhor prosador português.
c)      Quis chamar-lhe drama
«Contento-me para a minha obra com o título modesto de drama». Ninguém sabe – diz ele - o que é o drama; no entanto, confessa a seguir que é o único género de teatro com probabilidades de interessar a gente do século, toda inclinada ao estudo do homem.

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FREI LUÍS DE SOUSA
 A ação do drama e a história
   A ação do drama decorre em Almada, nos fins do século XVI, mais ou menos duas dezenas de anos após o desastre de Alcácer Quibir. Nesse tempo, em plena dominação espanhola, perpassava pelo coração de todos os patriotas portugueses uma onda avassaladora de sebastianismo.
       Madalena de Vilhena casara com D. João de Portugal, homem que respeitava muito, mas a quem nunca teve verdadeiro amor. D. João foi combater em Alcácer Quibir e não voltou.   D. Madalena indagou da vida ou morte do  marido, tanto quanto é humanamente possível. Não chegou a resultado algum.  Ninguém lhe dava notícias de ele ter morrido nem de estar vivo.
       Julgando-se então livre, uniu-se em segundas núpcias a Manuel de Sousa Coutinho, fidalgo que conhecera e amara, quando ainda vivia com D. João de Portugal.
       D. Madalena, que nunca obtivera a certeza absoluta da morte do primeiro  marido, não conseguia calar um certo remorso que se lhe agitava cada vez mais dentro do peito e vivia intranquila. Para aumentar este desassossego, muito contribuía o velho aio de D. João, Telmo, com a crença de que o seu Senhor voltaria, vivo ou morto.
       Manuel de Sousa, certo dia, queimou a casa onde morava, só para que os governadores filipinos de Lisboa, fugidos à peste, não a ocupassem, e a família tem de ir morar para um palácio que fora de D. João de Portugal. Para D. Madalena, tudo ali são recordações do primeiro marido. Ela não pode esquecê-lo. Vive apavorada com medo de que ele surja de uma hora para outra. E é que surgiu mesmo, na pessoa do Romeiro, que se identificou diante de Frei Jorge como sendo D. João de Portugal em carne e osso.
      Agora só havia uma solução: separarem-se D. Madalena e Manuel e abraçarem, de comum acordo, a vida religiosa. É o que vão fazer. Maria, tuberculosa, fraca, ao ver-se sem pais, cai morta aos pés deles, no momento em que tomavam hábito.
António José Barreiros,
História da Literatura Portuguesa,
2.º Volume

"FREI LUÍS DE SOUSA": EXISTE OU NÃO UNIDADE DE ESPAÇO?



Do primeiro para o segundo ato dá-se uma alteração de espaço concretamente, do palácio de Manuel de Sousa Coutinho para o de D. João de Portugal. A distingui-los, o aspecto luxuoso e confortável do primeiro e a sobriedade e a frieza do segundo, marcadas ainda pela tradição familiar.
            Com a mudança de espaço dá-se, assim, uma natural mudança de cenário, tendência que se manterá na passagem do segundo para o terceiro ato e embora o espaço físico seja o mesmo, a casa de D. João de Portugal, o cenário sofrerá alterações
            A esta alteração de cenário não é estranha a evolução do conflito vivido pelas personagens uma vez que estas se encontram cada vez mais próximas da catástrofe final.
            Deste modo, o espaço caracteriza-se à medida do próprio desenrolar dos acontecimentos, reflectindo-o, tornando-se mais austero e severo – e bem ao gosto romântico – como que numa descida ao centro da terra ou aos infernos, representada pelo desfecho trágico que atingirá a família de Manuel de Sousa Coutinho e que terá o seu clímax na capela da Senhora da Piedade e no altar-mor da igreja de S. Paulo.
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            Terá sido respeitada a unidade de espaço em FLS?
            A resposta será Não se considerarmos que, para que ela exista, deve manter-se o cenário.
            Se, no entanto, considerarmos a opinião de vários autores que defendem que a união de espaço depende da sua localização num mesmo país ou numa mesma vila, então podemos concluir que Garrett respeitou a unidade de espaço uma vez que as personagens em cena permanecem na vila de Almada ao longo dos três atos.


         Como já foi aqui referido, o espaço está diretamente relacionado com os acontecimentos, o que quer dizer igualmente com o destino das personagens, com a sua progressão ao longo do texto.
            Assim, o palácio de Manuel de Sousa Coutinho com as suas salas amplas, sem limites para o exterior e permitindo a circulação das personagens de forma livre e determinada pela sua própria vontade, simboliza a vida harmoniosa em família, de felicidade, mesmo.
            Já a ação do segundo ato desenrola-se no palácio de D. João de Portugal que agora pertence a D. Madalena.
            Já anteriormente se referiu o aspeto sóbrio, se não mesmo sombrio, deste espaço. A comprová-lo a quase inexistência de janelas e portas que, no presente ato, aprisionam mais as personagens do que as libertam.
            Por sua vez, o ato terceiro desenrola-se na parte baixa do palácio de João de Portugal e que possui ligação direta para a capela. Os objetos decorativos,  tocheiras, cruzes e outros de caracter religioso são predominantes.
            Ao contrário da ação do ato segundo que decorre de tarde, a ação do terceiro ato desenrola-se durante a noite.

 Conclusão:

 Qual é o tratamento dado ao espaço no “Frei Luís de Sousa”?

Progressão em termos negativos. Há um afunilamento quer a nível de luz, decoração ou amplitude. Ou seja, vai evoluindo no sentido da ação: vão surgindo acontecimentos que afetam a vida normal familiar e que culmina com a morte de Maria. A ação caminha no sentido da destruição, a par do tratamento que vai sendo dado ao espaço.

in net


"FREI LUÍS DE SOUSA" POR OLHOS QUE O VEEM... LER COM ATENÇÃO.


   



Louvor de Garrett
           coisas que o meio ambiente, o tempo histórico, o local onde estuda­mos nos dão e que nos marcam para sempre. (...)
          Entre as muitas coisas novas e diferentes que então se praticavam no Pedro Nunes¹, havia um grupo de teatro (…) no qual, talvez a partir de 1963, participei activamente.  fui escudeiro na Farsa de Inês Pereira,  li Tchekhoy² pela primeira vez,  disse poemas de Musset ³ (…),  fiz um papel em O Alfageme de Santarém. (4)  (...)
           - ou nas aulas de Português, mas é natural que ambas as experiências, a teatral e a literária, se tenham complementado - devo ter caído na "poção mágica" do Romeiro de Frei Luís de Sousa. Li o texto pela primeira vez quando tinha 13 ou 14 anos - e ainda não me refiz do fascínio inicial, aumentado pelas muitas releituras, não sei quantas representações teatrais, filmes e telefilmes. Aquele Romeiro, aquela "ameaça" à normalidade feliz do triângulo Maria-Madalena-Manuel de Sousa Coutinho, foi para mim uma fonte de mistério, o sinal de uma coisa que mais tarde, muito mais tarde, reconheceria como "desassossego" (...).
De forma evidentemente não consciente, o que o "Ninguém" do Romeiro me deixava entrever é que, para  do dito, do explícito, havia - há - no texto literário um amplo espaço de indeterminação, o espaço do mistério, de um segredo que nos cabe adivinhar ou (o que é ainda melhor) simplesmente reconhecer.
(...)
Quer dizer que, naquela indecisão histórica que a figura do Romeiro vem transformar em autêntica tragédia, eu pressentia a vibração de uma outra literatura, uma literatura que não se esgotava na aparência da sua imaginária "perfeição", porque os textos literários nos eram dados como coisas finais, definitivas. Ora, o Frei Luís de Sousa foi, para mim, nessa altura, o primeiro texto "aberto" que me era dado ler: o "suspense", a emoção, o desconcerto, o excesso emocional, tudo estava lá, ou, pelo menos, tudo eu imaginava  figurar. Leio o Frei Luís de Sousa antecipando sempre aquele momento catártico (5)  prenunciado por mil e um sinais, mas adivinhado com a mesma excitação com que somos capazes de antecipar uma sequência  conhecida de um filme visto e amado mais de uma vez (...).
            Dorme Maria, no delírio que a febre e os seus sonhos de grandeza alimentam? E Telmo conforta-se na sua apegada ternura pela menina, como se a pureza que ela lhe entrega limpasse a recordação de uma qualquer culpa passada? E Dona Madalena, quem pode dizer, entre os sustos cheios de presságio de Maria e as meias palavras de Telmo, que realmente sossega nos braços de Manuel de Sousa? E Manuel de Sousa, quem aquieta esta extenuante vontade de acção, que o leva de Lisboa à outra margem, uma vez e outra e outra?
            O espaço de representação de Frei Luís de Sousa é atravessado por um vendaval permanente: ninguém está bem naquele lugar, ninguém está bem no seu papel e, por isso, Manuel de Sousa acaba por incendiar aquela casa, como se com isso quisesse exorcizar pelo fogo a causa de toda a inquietude. (...)
Frei Luís de Sousa é o livro do desassossego português, antes de ser drama histórico, narrativa amorosa ou tragédia sebastianista. Todas as personagens vivem um mal-estar, cuja causa difusa, corporizada no fantasma de D. João de Portugal, é, afinal de contas, "ninguém". E qual de nós pode dizer que nunca se sentiu, ainda que por instantes, prisioneiro deste desejo de não ser, neste momento em que existe? "Eu  estou bem onde não estou", lembram-se? E é preciso ler Frei Luís de Sousa em voz alta, para ouvir o eco que o silêncio entre as palavras nos envia - ou a música que faria da obra-prima de Garrett a ópera portuguesa por excelência.
            Sei hoje - e sei dizê-lo - porque é que o Frei Luís de Sousa foi tão importante para mim: a partir daí, a literatura passou a ser, aos meus olhos, o terreno onde se desenhava o risco dos limites e a experiência do indivisível.
            Com Garrett comecei a aprender o que quer dizer, literariamente,  ser moderno.

António Mega-Ferreira, in Público,
8 de Fevereiro de 1999
(texto adaptado e com supressões)

1. Pedro Nunes: nome de uma Escola Secundária, em Lisboa.
2.Tchekhov: escritor russo que se notabilizou sobretudo como dramaturgo (1860-1904).
3. Musset: escritor romântico francês (1810-1857).
4. O Alfageme de Santarém: peça de Almeida Garrett.
5. momento catártico: momento que provoca uma espécie de purificação emocional (catarse).