domingo, 23 de novembro de 2014

revisita a Fernando Pessoa nest'"A Hora do Diabo"

revisita a Fernando Pessoa nest'"A Hora do Diabo"
 
 
 
 
 
talvez não muito conhecida est'"A Hora do Diabo" de Fernando Pessoa.
lembro-me de ter sido referida como uma espécie de "manual" das jovens vítimas da tragédia do Meco.
aos livros, creio, não lhes podemos atribuir culpas; aos homens sim, e à forma como os entendem e atingem os seus pares com os seus erróneos entendimentos.

trata-se de um conto que assenta no diálogo entre uma mulher, grávida, e o Diabo. leia-se e entenda-se como se puder e apetecer; concorde-se ou não; é a lei do livre arbítrio que deve prevalecer.

e porque hoje o retomei e li as suas quase 66 páginas, deixo aqui um excerto do conto já que a outra parte do livro é composta por análises, digamos, e considerações a esse Pessoa sempre desconhecido que assim escreveu entre os 14 e os 17 anos.

assim fala o Diabo:

"Minha senhora, todas as religiões são verdadeiras, por mais opostas que pareçam entre si. São símbolos diferentes da mesma realidade, são como a mesma frase dita em várias línguas; de sorte que se não entendem uns aos outros os que estão dizendo a mesma coisa. Quando um pagão diz Júpiter e um cristão diz Deus estão pondo a mesma emoção em termos diversos de inteligência: estão pensando diferentemente a mesma intuição. O repouso de um gato ao sol é a mesma coisa que a leitura de um livro. Um selvagem olha para a tormenta do mesmo modo que um judeu para Jeová, um selvagem olha para o Sol do mesmo modo que um cristão para o Cristo. E porquê, minha senhora? Porque trovão e Jeová, Sol e Cristo, são símbolos diversos da mesma coisa.
"Vivemos neste mundo dos símbolos, no mesmo templo claro e obscuro - treva visível, por assim dizer; e cada símbolo é uma verdade substituível à verdade até que o tempo e as circunstâncias restituam a verdadeira."

"A Hora do Diabo",
Obras de Fernando Pessoa
Assírio e Alvim
pp.52 e 53, 2ª edição



 
 
 
 
 
 
 


sábado, 22 de novembro de 2014

PROPOSTA: COMENTAR UMA FRASE



Podemos considerar três momentos no comentário a uma frase:
 
  • Expressar concordância ou não com a frase;
  • Justificar, dando exemplos;
  • Comentar as várias partes da frase.
 
    Quando expressamos concordância com a frase, não é necessário utilizar expressões como concordo com a frase ou sim, a frase está correta.
    Podemos confirmar simplesmente o que vem referido na frase com: efetivamente, realmente, na verdade, de facto, decerto, ...
    Para expressar a nossa opinião podemos igualmente optar por:
pois, uma vez que, assim como, por exemplo, tal como, como se pode verificar/ver, ...
   
 
    FRASE
 
    "O amor cortês apresenta-se como ideal, como aspiração que não tende à relação sexual, mas surge como estado de espírito que deve ser alimentado."
 
    A conceção do amor cortês assenta na existência de um amor impossível de concretizar e, ainda assim, assumido e mantido pelo poeta apaixonado. Esta impossibilidade tem por base o próprio carácter ou natureza do objeto que lhe serve de suporte: ama-se a mulher perfeita, considerada única entre todas as outras, na realidade, inacessível,  o que justifica a submissão do cavaleiro perante a sua "senhor", dado o nível de superioridade em que a coloca.
 
    Esta situação, que impede a concretização deste amor - e entenda-se por concretização, a união dos seres - provoca sofrimento - coita (de amor) - no poeta que, nem assim, desiste de amar - amor platónico. Ele aspira  apenas ao amor da mulher pois reconhece que ele lhe está vedado ainda que seja essa persistência que sublima o sentimento mantido. Na verdade, ama-se o Amor mais do que a mulher e é deste modo que ele pode também ser alimentado.

No amor cortês faz-se a corte, perito que é em jogos de sedução, de gestos encobertos, sinais e olhares que são identificados somente pelas partes interessadas, mas sem comprometer a "senhor", sob pena de ela se enfurecer por ver a sua honra manchada e de se zangar com o pobre poeta. Este, por sua vez, deve ser-lhe fiel e combater por ela, defendê-la mesmo, na expetativa de um dia receber a recompensa que, sabe, lhe está vedada logo à partida.


Já sabem, é apenas uma proposta, nunca um modelo.  :)
 
 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

ANÁLISE DA CANTIGA DE AMOR "QUER'EU EM MANEIRA DE PROVENÇAL"


 
 
 





Quer'eu em maneira de proençal
fazer agora um cantar d'amor
 e querrei muit'i loar mia senhor
 a que prez nem fremosura nom fal,

5nem bondade; e mais vos direi en:

tanto a fez Deus comprida de bem
que mais que todas las do mundo val.
  
 Ca mia senhor quiso Deus fazer tal,

quando a fez, que a fez sabedor
10de todo bem e de mui gram valor,
 e com tod'est[o] é mui comunal
  ali u deve; er deu-lhi bom sem

e des i nom lhi fez pouco de bem
quando nom quis que lh'outra foss'igual.
  
15Ca em mia senhor nunca Deus pôs mal,
 mais pôs i prez e beldade loor
e falar mui bem e riir melhor
que outra molher; des i é leal
muit'; e por esto nom sei hoj'eu quem
20possa compridamente no seu bem

falar, ca nom há, tra'lo seu bem, al.

v. 1 - à maneira dos poetas provençais
v. 3 - e quererei muito louvar minha senhora (palavras terminadas em -or não têm género)
v. 4 - à qual não faltam qualidades morais (prez) nem físicas
v. 5 - a respeito disso, da "senhor"
v. 6 - perfeita
v. 7 - porque minha senhora  a quis Deus fazer assim
v. 8 - porque quis Deus fazer (fazê-la) assim
v. 11 - não bastasse tudo isso é muito sociável
v. 12 - quando deve ser ... também (er) lhe deu (bom)senso
v. 13 - além disso  não lhe quis pouco bem
v. 15 - porque a minha senhora Deus nunca deu nada de mal
v. 16 - mas deu qualidades morais e físicas para louvar
três últimos versos - e por isto não sei quem possa hoje falar completamente no seu bem porque não há quem se lhe iguale ou a exceda em qualidades

 
 
Tematicamente, estamos em presença do poeta que revela qual o seu propósito ou intenção: cantar/louvar/fazer o retrato da mulher amada à maneira provençal embora reconheça que tal tarefa é impossível dado o número de qualidades da sua "senhor".
Esta técnica, explicitar aquilo a que se propõe, é próprio de uma arte poética, informando os demais do tipo de cantiga, de amor, e seguindo qual modelo, o provençal.
A "senhor" louvada no texto corresponde ao Ideal feminino na Idade Média imposto pela corte e dela se enaltecem as qualidades morais e físicas, sociais e outras de caráter mais genérico.
Perante este modelo, o  trovador pretende louvar de forma exagerada, superlativando, a sua "senhor".
Embora sejam de considerar as várias repetições ao longo da cantiga como técnica para estabelecer a unidade desta poesia esta, no entanto, não constitui o verdadeiro elo de ligação. Na verdade, a unidade desta poesia é conseguida através do encadeamento lógico reforçado pela presença da expressão causal "ca" - utilização de ata-finda - nas 2ª e 3ª estrofes.

O propósito inicial do poeta, o de cantar a sua "senhor", verifica-se do 4º verso em diante, quando o trovador enumera as qualidades da amada como se de um catálogo de qualidades modelares se tratasse e não de um retrato concreto.


 














 

domingo, 16 de novembro de 2014


 
 
 
CANTIGAS DE AMOR (cont.)

São, como já sabemos, cantigas importadas de França, ao gosto provençal (Provença). O sujeito de enunciação é o trovador apaixonado que consagra à sua “senhor” um amor platónico, sem esperança, um amor-adoração e que expressa nestas composições os seus sentimentos, os sentimentos amorosos pela dama cortejada, falando em seu nome. Por norma, o amor expresso nas cantigas de amor, é um amor infeliz, não compartilhado.

Em relação às cantigas provençais, a “coita” dos trovadores portugueses é mais autêntica, mais sentida…

Embora se tenham inspirado no lirismo provençal, as cantigas de amor da Península possuem características bem diferentes. As nossas são mais espontâneas, mais sentidas, mais autênticas, têm muito a ver com a nossa alma romântica, saudosa, um pouco até masoquista, em que se sente um prazer mórbido em sofrer, um gosto em estar triste. Como confirma Rodrigues Lapa: “A nossa imitação foi sobretudo uma apropriação de formas.”

 

Características e Estética das Cantigas de Amor

- A idolatração da mulher amada, em que o trovador se mostra submisso perante ela;

- O sujeito enunciador sente que não é senhor do seu coração; ela enganou-o, fê-lo apaixonar-se por ela;

- Os olhos da dama surgem nestas cantigas como uma das causas da paixão;

- O amor espiritual pode conduzir a um aperfeiçoamento através do desejo do objeto amado. A mulher é a ponte para o infinito, realiza-se nela e por ela esquecendo-se de si próprio, para pensar só no “ben”;

- Os trovadores valorizavam mais as qualidades morais da mulher;

- Por vezes, o poeta sofre muito. Não é fácil atingir a perfeição absoluta; chega mesmo a sentir ânsia de se vingar daquela que o tortura mas tudo não passa de um desejo;

- Deus está sempre presente nestas composições, quase como um confidente: com ele desabafa e pede-lhe conselhos.

 

CANTIGAS DE AMOR (2)


 
 

Festa e Jogo

 
(…)   “Festa e jogo, o amor cortês realiza a evasão para fora da ordem estabelecida e a inversão das rela­ções naturais. Adúltero por princípio, começa por desforrar-se das servidões matrimoniais. Na socie­dade feudal, o casamento visava aumentar a glória e a riqueza duma casa. O negócio era tratado fria­mente, sem curar dos impulsos de coração, pelos mais velhos das duas linhagens. Estes fixavam as con­dições da troca, da aquisição da esposa, que devia tornar-se, para o futuro senhor, guardiã da sua morada, ama dos seus criados e mãe dos seus filhos. Era preciso sobretudo que fosse rica, de boa estirpe e fiel. As leis sociais ameaçavam com as piores sanções a esposa adúltera e aquele que tentasse desviá-la. Mas concediam toda a liberdade aos homens. Complacentes, damas não casadas oferecem-se em cada castelo aos cavaleiros andantes das narrativas corteses. O amor cortês não foi portanto sim­ples divagação sexual. E eleição. Realiza a escolha que o processo dos esponsais proibia. No entanto, o amante não escolhe uma virgem, mas a mulher de outro. Não a toma por força, conquista-a. Perigosa­mente. Vence pouco a pouco as suas resistências. Espera que ela se renda, que lhe ceda os seus favores. Para esta conquista desenvolve uma estratégia minuciosa, que aparece de facto como uma transposição ritualizada das técnicas da caçada, da justa, do assalto das fortalezas. Os mitos da perseguição amo­rosa decorrem como cavalgadas na floresta. A dama eleita é uma torre cercada.
Mas esta estratégia coloca o cavaleiro em posição de servidão. O amor cortês inverte, ainda aqui, as relações normais. No real da vida, o senhor domina inteiramente a esposa. No jogo amoroso, serve a dama, inclina-se perante os seus caprichos, submete-se às provas que ela decide impor-lhe. Vive ajoe­lhado diante dela, e nesta postura de devotamento se encontram desta vez traduzidas as atitudes que, na sociedade dos guerreiros, regulavam a subordinação do vassalo ao seu senhor. Todo o vocabulário e todos os gestos da vida cortês saem das fórmulas e dos ritos da vassalidade. Em primeiro lugar, a pró­pria noção de serviço e o seu conteúdo. Como o vassalo para com o senhor, o amante deve ser leal para com a dama. Empenhou a sua fé, não pode traí-la, e este laço não é daqueles que se desatam. Mostra-se valente, combate por ela, e são as vitórias sucessivas das suas armas que o fazem avançar nos seus caminhos. Finalmente, deve rodeá-la de atenção. Faz-lhe a corte, o que quer dizer que a serve ainda, tal como os vassalos reunidos em corte feudal em redor do seu senhor. Mas, como o vassalo, o amante entende que por esse serviço obterá um dia recompensa e ganhará sucessivos dons.  (…)
O amor cortês continuou a ser um jogo, um divertimento secreto. Vive de piscadelas de olho cúmpli­ces. Discreto, dissimula-se sob aparências enganadoras. Mascara-se sob o esoterismo do trobar clus, dos gestos simbólicos, das divisas de duplo sentido, duma linguagem que só os iniciados sabem deci­frar. Por essência, e nas formas que exprime, é todo ele fuga para fora do real, como a festa. E um intermédio apaixonante, mas de total gratuidade, que não compromete o fundo da pessoa."

GEORGES DUBY,  O Tempo das Catedrais

(1979), pp. 252-253
 
 

CANTIGAS DE AMOR (1)

 
 
 
 
CANTIGAS DE AMOR

“Chamavam os trovadores cantigas ou cantares de amor às poesias que se aproximavam, no fundo e na forma, da cansó occitânia e nas quais o poeta exprimia os sentimentos amorosos pela dama cortejada falando em seu próprio nome. (…)”
Celso Ferreira da Cunha, in Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira
Segismundo Spina, para explicar aa teoria da influência provençal do amor cortês, diz o seguinte:

“O cavaleiro, que já não andava fora, com tanta frequência, vivia mais na companhia da mulher e da família. O barão, no seu lar mais palaciano, começa a constituir uma corte, onde tinham ocasião de florescer as graças femininas e onde eram mandados os filhos e as filhas dos vassalos a aprender as artes e as maneiras […]; começava a florir de novo a civilização: a música, a pintura, a poesia, as artes manuais, a arquitetura surgiram para a vida. Nasce então a cortesia e, portanto, o amor cortês”.


"Neste tipo de cantiga, o trovador empreende a confissão, dolorosa e quase elegíaca, de sua angustiante experiência passional frente a uma dama inacessível aos seus apelos, entre outras razões porque de superior estirpe social, enquanto ele era, quando muito, um fidalgo decaído. Uma atmosfera plangente, suplicante, de litania, varre a cantiga de ponta a ponta. Os apelos do trovador colocam-se alto, num plano de espiritualidade, de identidade ou contemplação platónica, mas entranham-se-lhe no mais fundo dos sentidos: o impulso erótico situado na raiz das súplicas transubstancia-se, purifica-se, sublima-se. Tudo se passa como se o trovador "fingisse", disfarçando com o véu do espiritualismo, obediente às regras de conveniência social e da moda literária vinda da Provença, o verdadeiro e oculto sentido das solicitações dirigidas à dama. À custa de "fingidos" ou incorrespondidos, os estímulos amorosos transcendentalizam-se, graças ao torturante sofrimento interior que se segue à certeza da inútil súplica e da espera dum bem que nunca chega. E a coita (= sofrimento) de amor que, afinal, ele confessa.

As mais das vezes, quem usa da palavra é o próprio trovador, dirigindo-a em vassalagem e subser­viência à dama de seus cuidados (mia senhor ou mia dona = minha senhora), e rendendo-lhe o culto que o "serviço amoroso" lhe impunha. E este orienta-se de acordo com um rígido código de comportamento ético: as regras do "amor cortês", recebidas da Provença. Segundo elas, o trovador teria de mencionar comedidamente o seu sentimento (mesura), a fim de não incorrer no desagrado (sanha) da bem-amada; teria de ocultar o nome dela ou recorrer a um pseudónimo (senha), e prestar-lhe uma vassalagem que apresentava quatro fases: a primeira correspondia à condição de fenhedor, de quem se consome em suspi­ros; a segunda é a de precador, de quem ousa declarar-se e pedir; entendedor é o namorado; drut, o amante. O lirismo trovadoresco português conheceu as duas últimas fases, mas o drut (drudo em portu­guês) encontrava-se exclusivamente na cantiga de escárnio e maldizer. Também a senha era desconhecida do nosso trovadorismo. O trovador, portanto, subordina todo o seu sentimento às leis da corte amorosa, e ao fazê-lo, conhece as dificuldades interpostas pelas convenções e pela dama no rumo que o levaria à con­secução dum bem impossível. Mais ainda: dum bem (e "fazer bem" significa corresponder aos requestos do trovador) que ele nem sempre deseja alcançar, pois seria pôr fim ao seu tormento masoquista, ou início dum outro maior. Em qualquer hipótese, só lhe resta sofrer, indefinidamente, a coita amorosa.

E, ao tentar exprimir-se, a plangência da confissão do sentimento que o avassala - apoiada numa melopeia própria de quem mais murmura suplicantemente do que fala - vai num crescendo até à última estrofe (a estrofe era chamada, na lírica trovadoresca, de cobra); podia ainda receber o nome de cobla ou de talho. Visto uma ideia obsessiva estar empolgando o trovador, a confissão gira em torno dum mesmo núcleo, para cuja expressão o enamorado não acha palavras muito variadas, tão intenso e maciço é o sofrimento que o tortura. Ao contrário, parece que seu espírito, caminhando dentro dum cír­culo vicioso, acaba por se repetir monotonamente, apenas mudando o grau de lamento, que aumenta em avalanche até ao fim. O estribilho ou refrão, com que o trovador pode rematar cada estrofe, diz bem dessa angustiante ideia fixa para a qual ele não encontra expressão diversa.

Quando presente o estribilho, que é recurso típico da poesia popular, a cantiga chama-se de refrão. Quando ausente, a cantiga recebe o nome de cantiga de maestria, por tratar-se dum esquema estrófico mais difícil, intelectualizado, sem o suporte facilitador daquele expediente repetitivo."
MASSAUD MOISÉS, op. cit., pp. 25-26



 
 


terça-feira, 11 de novembro de 2014

CANTIGAS DE AMOR - APONTAMENTOS

 
 

 
 
CANTIGAS DE AMOR
    São poesias ao gosto provençal em que o poeta se apresenta perante a senhora de uma forma (ou numa atitude) submissa.
    O poeta queixa-se da sua sorte por ela não acreditar nele e afirma que sofre por vê-la e por não vê-la; considera-a a mais formosa de quantas mulheres existem prometendo servi-la e honrá-la como o mais humilde dos servos e diviniza-a.
    As cantigas são artificiais pois o poeta raras vezes sente o amor que diz ter. Trata-se, geralmente, de um amor fingido “mais um produto da inteligência e da imaginação do que da sensibilidade”.
    É o trovador quem fala (consagra à dama um amor platónico, sem esperança) – objeto: a dona, a “senhor”.
    Originárias da Provença, estas cantigas são aristocráticas, convencionais e cultas. A mulher é um ser superior, quase divino, a quem se rende vassalagem amorosa. O ambiente em que decorre a “ação” é palaciano.
    O trovador – sujeito – autocaracteriza-se como cativo, coitado, aflito, servidor, enlouquecido, sofredor, etc.
    A vassalagem amorosa relaciona-se entre sujeito / objeto.
Regras do amor cortês – da corte
- sofrer quando ela quiser;
- prestar vassalagem;
- ter autodomínio.
 
Estrutura
- cantigas de mestria, cantigas de refrão, cantigas com dobre, mordobre, finda, atafinda.
Temática
O sentimento amoroso: a coita de amor; o amor infeliz.
 
 


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

ANÁLISE DA CANTIGA DE AMIGO, ALBA OU ALVORADA "LEVANTOU-S'A VELIDA"




D. Dinis  (clicar aqui)

  Levantou-s'a velida,
       levantou-s'alva,
e vai lavar camisas

       eno alto,
5       vai-las lavar alva.
  

Levantou-s'a louçana,
       levantou-s'alva,

e vai lavar delgadas
       eno alto,
10       vai-las lavar alva.
  
[E] vai lavar camisas;
       levantou-s'alva,
o vento lhas desvia
       eno alto,
15       vai-las lavar alva.
  
E vai lavar delgadas;
       levantou-s'alva,
o vento lhas levava
       eno alto,
20       vai-las lavar alva.
  
O vento lhas desvia;
       levantou-s'alva,
meteu-s'[a] alva em ira
       eno alto,
25       vai-las lavar alva.
  
O vento lhas levava;
       levantou-s'alva,

meteu-s'[a] alva em sanha
       eno alto,
30       vai-las lavar alva.


 


Albas ou Alvoradas, subgénero a que pertence esta cantiga de amigo, são assim designadas por "acontecerem" ao amanhecer, ao nascer do dia.
 
Este subgénero foi pouco cultivado em Portugal. Os costumes não eram tão permissivos como outros, nomeadamente da região provençal, e situações como a narrada nesta cantiga, dificilmente poderiam ocorrer.
 
Nesta cantiga de D. Dinis faz-se a descrição  de uma rapariga que se levanta de madrugada e vai lavar roupa que o vento arrasta, deixando-a furiosa.
 
Fosse esta a simples leitura e tudo pareceria inocente e conforme embora, na realidade, esteja longe de o ser.
 
Alva simboliza a pureza, a inocência própria da virgindade. No texto, alva  pode estar ainda a substituir o próprio amanhecer ou, como adjetivo, referir-se à cor branca, provavelmente da pele da rapariga que será jovem e cuja pele não estará ainda crestada do sol.
Por esta razão, encontramos os termos "velida" e "louçana" significando formosa ou de belo aspeto.
 
Atente-se no terceiro verso da primeira estrofe
 
e vai lavar camisas
 
 
** camisas são igualmente designadas delgadas
 


 
E vai lavar delgadas;

 
As camisas constituíam a primeira peça de roupa que se vestia, em linho ou seda, quer para o homem quer para a  mulher, correspondendo à atual roupa interior; são roupas íntimas, simbolizando a intimidade.
 
Assim, considere-se o verso
 
  
e vai lavar camisas
 
 
também ele carregado de simbologia. O ato de lavar camisas, tal como o banho nupcial, era um ritual simbólico da expetativa da noiva; lavar camisas surge associando a água à sensualidade feminina.
 
Já o vento surge no texto como simbolizando um ambiente agressivo que não se relaciona com a delicadeza da menina. Simboliza preocupações que o amigo lhe provoca ou o sopro fálico, isto é, uma relação sexual.
 
Simbolicamente, esta cantiga representa uma experiência sexual: acordados pela manhã, um casal de namorados, que terão passado a noite juntos, irrita-se com o nascimento do dia que obrigará a que se separem.
 
A narração é feita na 3ª pessoa, o narrador não corresponde à pessoa que detém a ação no texto.