quinta-feira, 6 de novembro de 2014

ANÁLISE DA CANTIGA DE AMIGO, ALBA OU ALVORADA "LEVANTOU-S'A VELIDA"




D. Dinis  (clicar aqui)

  Levantou-s'a velida,
       levantou-s'alva,
e vai lavar camisas

       eno alto,
5       vai-las lavar alva.
  

Levantou-s'a louçana,
       levantou-s'alva,

e vai lavar delgadas
       eno alto,
10       vai-las lavar alva.
  
[E] vai lavar camisas;
       levantou-s'alva,
o vento lhas desvia
       eno alto,
15       vai-las lavar alva.
  
E vai lavar delgadas;
       levantou-s'alva,
o vento lhas levava
       eno alto,
20       vai-las lavar alva.
  
O vento lhas desvia;
       levantou-s'alva,
meteu-s'[a] alva em ira
       eno alto,
25       vai-las lavar alva.
  
O vento lhas levava;
       levantou-s'alva,

meteu-s'[a] alva em sanha
       eno alto,
30       vai-las lavar alva.


 


Albas ou Alvoradas, subgénero a que pertence esta cantiga de amigo, são assim designadas por "acontecerem" ao amanhecer, ao nascer do dia.
 
Este subgénero foi pouco cultivado em Portugal. Os costumes não eram tão permissivos como outros, nomeadamente da região provençal, e situações como a narrada nesta cantiga, dificilmente poderiam ocorrer.
 
Nesta cantiga de D. Dinis faz-se a descrição  de uma rapariga que se levanta de madrugada e vai lavar roupa que o vento arrasta, deixando-a furiosa.
 
Fosse esta a simples leitura e tudo pareceria inocente e conforme embora, na realidade, esteja longe de o ser.
 
Alva simboliza a pureza, a inocência própria da virgindade. No texto, alva  pode estar ainda a substituir o próprio amanhecer ou, como adjetivo, referir-se à cor branca, provavelmente da pele da rapariga que será jovem e cuja pele não estará ainda crestada do sol.
Por esta razão, encontramos os termos "velida" e "louçana" significando formosa ou de belo aspeto.
 
Atente-se no terceiro verso da primeira estrofe
 
e vai lavar camisas
 
 
** camisas são igualmente designadas delgadas
 


 
E vai lavar delgadas;

 
As camisas constituíam a primeira peça de roupa que se vestia, em linho ou seda, quer para o homem quer para a  mulher, correspondendo à atual roupa interior; são roupas íntimas, simbolizando a intimidade.
 
Assim, considere-se o verso
 
  
e vai lavar camisas
 
 
também ele carregado de simbologia. O ato de lavar camisas, tal como o banho nupcial, era um ritual simbólico da expetativa da noiva; lavar camisas surge associando a água à sensualidade feminina.
 
Já o vento surge no texto como simbolizando um ambiente agressivo que não se relaciona com a delicadeza da menina. Simboliza preocupações que o amigo lhe provoca ou o sopro fálico, isto é, uma relação sexual.
 
Simbolicamente, esta cantiga representa uma experiência sexual: acordados pela manhã, um casal de namorados, que terão passado a noite juntos, irrita-se com o nascimento do dia que obrigará a que se separem.
 
A narração é feita na 3ª pessoa, o narrador não corresponde à pessoa que detém a ação no texto.
 
 
 
 
 

 
 


 

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