domingo, 16 de novembro de 2014

CANTIGAS DE AMOR (1)

 
 
 
 
CANTIGAS DE AMOR

“Chamavam os trovadores cantigas ou cantares de amor às poesias que se aproximavam, no fundo e na forma, da cansó occitânia e nas quais o poeta exprimia os sentimentos amorosos pela dama cortejada falando em seu próprio nome. (…)”
Celso Ferreira da Cunha, in Dicionário das Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira
Segismundo Spina, para explicar aa teoria da influência provençal do amor cortês, diz o seguinte:

“O cavaleiro, que já não andava fora, com tanta frequência, vivia mais na companhia da mulher e da família. O barão, no seu lar mais palaciano, começa a constituir uma corte, onde tinham ocasião de florescer as graças femininas e onde eram mandados os filhos e as filhas dos vassalos a aprender as artes e as maneiras […]; começava a florir de novo a civilização: a música, a pintura, a poesia, as artes manuais, a arquitetura surgiram para a vida. Nasce então a cortesia e, portanto, o amor cortês”.


"Neste tipo de cantiga, o trovador empreende a confissão, dolorosa e quase elegíaca, de sua angustiante experiência passional frente a uma dama inacessível aos seus apelos, entre outras razões porque de superior estirpe social, enquanto ele era, quando muito, um fidalgo decaído. Uma atmosfera plangente, suplicante, de litania, varre a cantiga de ponta a ponta. Os apelos do trovador colocam-se alto, num plano de espiritualidade, de identidade ou contemplação platónica, mas entranham-se-lhe no mais fundo dos sentidos: o impulso erótico situado na raiz das súplicas transubstancia-se, purifica-se, sublima-se. Tudo se passa como se o trovador "fingisse", disfarçando com o véu do espiritualismo, obediente às regras de conveniência social e da moda literária vinda da Provença, o verdadeiro e oculto sentido das solicitações dirigidas à dama. À custa de "fingidos" ou incorrespondidos, os estímulos amorosos transcendentalizam-se, graças ao torturante sofrimento interior que se segue à certeza da inútil súplica e da espera dum bem que nunca chega. E a coita (= sofrimento) de amor que, afinal, ele confessa.

As mais das vezes, quem usa da palavra é o próprio trovador, dirigindo-a em vassalagem e subser­viência à dama de seus cuidados (mia senhor ou mia dona = minha senhora), e rendendo-lhe o culto que o "serviço amoroso" lhe impunha. E este orienta-se de acordo com um rígido código de comportamento ético: as regras do "amor cortês", recebidas da Provença. Segundo elas, o trovador teria de mencionar comedidamente o seu sentimento (mesura), a fim de não incorrer no desagrado (sanha) da bem-amada; teria de ocultar o nome dela ou recorrer a um pseudónimo (senha), e prestar-lhe uma vassalagem que apresentava quatro fases: a primeira correspondia à condição de fenhedor, de quem se consome em suspi­ros; a segunda é a de precador, de quem ousa declarar-se e pedir; entendedor é o namorado; drut, o amante. O lirismo trovadoresco português conheceu as duas últimas fases, mas o drut (drudo em portu­guês) encontrava-se exclusivamente na cantiga de escárnio e maldizer. Também a senha era desconhecida do nosso trovadorismo. O trovador, portanto, subordina todo o seu sentimento às leis da corte amorosa, e ao fazê-lo, conhece as dificuldades interpostas pelas convenções e pela dama no rumo que o levaria à con­secução dum bem impossível. Mais ainda: dum bem (e "fazer bem" significa corresponder aos requestos do trovador) que ele nem sempre deseja alcançar, pois seria pôr fim ao seu tormento masoquista, ou início dum outro maior. Em qualquer hipótese, só lhe resta sofrer, indefinidamente, a coita amorosa.

E, ao tentar exprimir-se, a plangência da confissão do sentimento que o avassala - apoiada numa melopeia própria de quem mais murmura suplicantemente do que fala - vai num crescendo até à última estrofe (a estrofe era chamada, na lírica trovadoresca, de cobra); podia ainda receber o nome de cobla ou de talho. Visto uma ideia obsessiva estar empolgando o trovador, a confissão gira em torno dum mesmo núcleo, para cuja expressão o enamorado não acha palavras muito variadas, tão intenso e maciço é o sofrimento que o tortura. Ao contrário, parece que seu espírito, caminhando dentro dum cír­culo vicioso, acaba por se repetir monotonamente, apenas mudando o grau de lamento, que aumenta em avalanche até ao fim. O estribilho ou refrão, com que o trovador pode rematar cada estrofe, diz bem dessa angustiante ideia fixa para a qual ele não encontra expressão diversa.

Quando presente o estribilho, que é recurso típico da poesia popular, a cantiga chama-se de refrão. Quando ausente, a cantiga recebe o nome de cantiga de maestria, por tratar-se dum esquema estrófico mais difícil, intelectualizado, sem o suporte facilitador daquele expediente repetitivo."
MASSAUD MOISÉS, op. cit., pp. 25-26



 
 


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