CANTIGAS
DE AMOR
“Chamavam
os trovadores cantigas ou cantares de amor às poesias que se aproximavam, no
fundo e na forma, da cansó occitânia e
nas quais o poeta exprimia os sentimentos amorosos pela dama cortejada falando
em seu próprio nome. (…)”
Celso
Ferreira da Cunha, in Dicionário das
Literaturas Portuguesa, Galega e Brasileira
Segismundo
Spina, para explicar aa teoria da influência provençal do amor cortês, diz o
seguinte:
“O
cavaleiro, que já não andava fora, com tanta frequência, vivia mais na
companhia da mulher e da família. O barão, no seu lar mais palaciano, começa a constituir
uma corte, onde tinham ocasião de florescer as graças femininas e onde eram
mandados os filhos e as filhas dos vassalos a aprender as artes e as maneiras
[…]; começava a florir de novo a civilização: a música, a pintura, a poesia, as
artes manuais, a arquitetura surgiram para a vida. Nasce então a cortesia e,
portanto, o amor cortês”.
"Neste tipo de cantiga, o trovador empreende a
confissão, dolorosa e quase elegíaca, de sua angustiante experiência passional
frente a uma dama inacessível aos seus apelos, entre outras razões porque de
superior estirpe social, enquanto ele era, quando muito, um fidalgo decaído.
Uma atmosfera plangente, suplicante, de litania, varre a cantiga de ponta a
ponta. Os apelos do trovador colocam-se alto, num plano de espiritualidade, de
identidade ou contemplação platónica, mas entranham-se-lhe no mais fundo dos
sentidos: o impulso erótico situado na raiz das súplicas transubstancia-se,
purifica-se, sublima-se. Tudo se passa como se o trovador "fingisse",
disfarçando com o véu do espiritualismo, obediente às regras de conveniência
social e da moda literária vinda da Provença, o verdadeiro e oculto sentido das
solicitações dirigidas à dama. À custa de "fingidos" ou
incorrespondidos, os estímulos amorosos transcendentalizam-se, graças ao
torturante sofrimento interior que se segue à certeza da inútil súplica e da
espera dum bem que nunca chega. E a coita (= sofrimento)
de amor que, afinal, ele confessa.
As mais das
vezes, quem usa da palavra é o próprio trovador, dirigindo-a em vassalagem e
subserviência à dama de seus cuidados (mia senhor ou mia dona = minha
senhora), e rendendo-lhe o culto que o "serviço amoroso" lhe impunha.
E este orienta-se de acordo com um rígido código de comportamento ético: as
regras do "amor cortês", recebidas da Provença. Segundo elas, o
trovador teria de mencionar comedidamente o seu sentimento (mesura), a fim de não
incorrer no desagrado (sanha) da bem-amada;
teria de ocultar o nome dela ou recorrer a um pseudónimo (senha), e prestar-lhe
uma vassalagem que apresentava quatro fases: a primeira correspondia à condição
de fenhedor, de quem se consome em suspiros; a
segunda é a de precador, de quem ousa declarar-se e pedir; entendedor é o namorado;
drut, o amante. O lirismo trovadoresco português conheceu as duas
últimas fases, mas o drut (drudo em português)
encontrava-se exclusivamente na cantiga de escárnio e maldizer. Também a senha era
desconhecida do nosso trovadorismo. O trovador, portanto, subordina todo o seu
sentimento às leis da corte amorosa, e ao fazê-lo, conhece as dificuldades
interpostas pelas convenções e pela dama no rumo que o levaria à consecução
dum bem impossível. Mais ainda: dum bem (e
"fazer bem" significa corresponder aos requestos do trovador) que ele
nem sempre deseja alcançar, pois seria pôr fim ao seu tormento masoquista, ou
início dum outro maior. Em qualquer hipótese, só lhe resta sofrer,
indefinidamente, a coita amorosa.
E, ao tentar exprimir-se, a plangência da confissão do
sentimento que o avassala - apoiada numa melopeia própria de quem mais murmura
suplicantemente do que fala - vai num crescendo até à última estrofe (a estrofe era chamada, na lírica
trovadoresca, de cobra); podia ainda receber o nome de cobla ou de talho. Visto uma
ideia obsessiva estar empolgando o trovador, a confissão gira em torno dum
mesmo núcleo, para cuja expressão o enamorado não acha palavras muito variadas,
tão intenso e maciço é o sofrimento que o tortura. Ao contrário, parece que seu
espírito, caminhando dentro dum círculo vicioso, acaba por se repetir
monotonamente, apenas mudando o grau de lamento, que aumenta em avalanche até
ao fim. O estribilho ou refrão, com que o
trovador pode rematar cada estrofe, diz bem dessa angustiante ideia fixa para a
qual ele não encontra expressão diversa.
Quando
presente o estribilho, que é recurso típico da poesia popular, a cantiga
chama-se de refrão. Quando ausente, a cantiga recebe o nome de cantiga de
maestria, por tratar-se dum esquema estrófico mais difícil, intelectualizado,
sem o suporte facilitador daquele expediente repetitivo."
MASSAUD
MOISÉS, op. cit., pp. 25-26
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