terça-feira, 23 de janeiro de 2018

'SCREVO MEU LIVRO À BEIRA MÁGOA - BREVE ANÁLISE



'Screvo meu livro à beira mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.

Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?

Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?

Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?

Ah, quando quererás voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?


Mensagem, Fernando Pessoa


-          Num momento em que a Pátria se sente “entristecer”, o sujeito poético escreve o seu “livro à beira mágoa” com os “olhos quentes de água”, manifestação física da sua Dor e numa clara alusão ao ato de “chorar”.

-          O apelo a “Senhor” revela a esperança que o “eu” deposita neste, como única fonte de alento.

-          Este “Senhor” conhece ao longo do texto outros epítetos: “Rei”, 2ªest. e “Encoberto”, 4ª est., os quais nos remetem para o manifesto desejo da vinda de um Messias Salvador – o Sebastianismo como mito messiânico.

-          Vislumbra-se na esperança depositada no regresso deste “Messias”, uma tentativa de atenuar o próprio sofrimento que, deste modo, transforma o desespero em esperança através do sonho que, espera-se, virá a realizar-se no futuro.

-          Formalmente, de salientar a frequência de interrogações retóricas que podem sugerir o já referido estado de desespero do “eu” ou, também, a expetativa face a esse “Senhor” que há-de vir;  a confirmá-lo, a predominância de formas verbais no futuro.

-          Num e noutro caso está bem patente a dúvida que martiriza o sujeito poético relativamente à “Hora” do regresso do “Senhor” por ele sonhado.


-          Nota final – Este poema encontra-se profundamente marcado pela subjetividade lírica, pela interiorização das emoções e dos sentimentos.



segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

ULISSES - MENSAGEM, BREVE ANÁLISE



Fernando Pessoa

Primeiro: ULISSES

        Primeiro
        ULISSES
mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
s.d.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
  - 25.


O título do poema – Ulisses – evoca o herói da Odisseia de Homero, que, segundo a lenda, tendo-se perdido no Mediterrâneo depois da vitória de Tróia, teria aportado no estuário do Tejo e fundado a cidade de Olisipo (Lisboa).


*  Ulisses poderá representar a vocação marítima dos portugueses já que é do mar que chega este antepassado mítico dos portugueses.
*  E se Ulisses é o mito que é nada e é tudo, isso deve-se à sua importância enquanto lenda portadora de força que, por sua  vez, dá vida.
*  Na 3ª e última estrofe dá-se a passagem do nada ao tudo: “a lenda vem (escorre) de cima; ao entrar na realidade, fecunda-a – fazendo o “milagre” de tornar irrelevante a vida cá de baixo, dita do mundo real, objectivo: “Em baixo, a vida, metade/De nada, morre”. Só readquire vida aquilo que o mito/nada tudo fecunda – e o processo não é do passado, mas intemporal – daí os tempos verbais no presente.”



*** neste poema, Pessoa parece dizer-nos que não importa se as figuras de que vai ocupar-se, os heróis fundadores, tiveram ou não existência histórica. O que é importante é a sua função enquanto mito, com a força própria do mito porque é então que ele é tudo.
Assim, o que realmente importa não é saber se Ulisses terá existido realmente mas ter consciência daquilo que ele representa: “o futuro glorioso de Portugal” só poderá concretizar-se se houver apropriação da energia que ele gera e da força criadora que ele liberta. (3ª est.)
Podemos considerar que este poema ajuda a explicar os que se lhe seguirão na Mensagem onde os heróis fundadores, apesar da sua existência histórica feita de êxitos e fracassos, aparecem mitificados.



sábado, 20 de janeiro de 2018

O DOS CASTELOS - ANOTAÇÕES



Fernando Pessoa
Primeiro: O DOS CASTELOS

        Primeiro
        O DOS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

8-12-1928
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  - 21.





      O poema está construído com base numa personificação da Europa, como se se tratasse de um corpo humano. Esta personificação permite uma aproximação da realidade da geografia física com o mito que deu origem à designação Europa e possibilita o realce de algumas partes desse corpo.
      A descrição vai-se desenvolvendo do geral para o particular. O sujeito poético refere, logo no início do poema, o tema gerador da descrição – «A Europa» – e apresenta os dois traços definidores: «jaz, posta nos cotovelos» e «fitando». Estes dois traços serão desenvolvidos nas segunda, terceira e quarta estrofes. A segunda estrofe caracteriza os dois «cotovelos», nomeia-os, indica a sua forma e concretiza a visualização (o direito, representando a Inglaterra e o esquerdo, a Itália, locais onde se encontram as raízes culturais que constituem a identidade europeia). A terceira e quarta estrofes organizam-se em volta do verbo «fitar», desvendando a simbologia do olhar no poema e justificando a importância do rosto e do olhar.
      O poema assenta em duas imagens contraditórias: uma imagem de lassidão, de dormência transmitida pelo verbo jazer e uma outra de expectância, de captação e de compreensão traduzida pelo verbo fitar o qual aponta, igualmente, para uma renovação.. Estas duas imagens simbolizam a conjugação do passado com o presente e com o futuro, denunciando a importância de Portugal na construção desse futuro.
      A importância de Portugal, rosto da Europa, e portanto, a face visível de tudo o que ela representa, é posta em relevo pelo monóstico final do poema, sendo Portugal visto também como cabeça (rosto) da Europa. A organização descritiva inicial do poema, de maior fôlego, vai-se condensando, para se apoiar, na parte final, no rosto e no olhar. A diminuição de versos nesta última parte indicia a valorização crescente que se prenuncia e cuja tónica é colocada no último vocábulo do poema – Portugal.
      O texto poético apresentado na prova é o primeiro poema da primeira parte, Brasão, da obra Mensagem. Como este poema já revela, há, na obra, uma valorização de Portugal dentro da Europa e a “mensagem” que se procura veicular é a da importância de um povo como vaticinador de um mundo novo, mas, simultaneamente, a advertência para a decadência desse povo. Como acontece para a Europa, neste poema, várias figuras históricas ou mitológicas são apresentadas em poemas distintos, havendo o realce para os seus traços essenciais. 




quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

D. SEBASTIÃO - BREVE ANÁLISE


D. Sebastião

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

in Mensagem de Fernando Pessoa



Neste texto, Pessoa faz um elogio à loucura, exortando a que outros deem continuidade ao seu sonho (valorização do sonho). Caracteriza-se como um louco.

No 5º verso distingue mais uma vez o ser histórico, como sendo o “ser que houve”, o que perece, desaparece e o ser mítico como “o que há”. Este último sobrevive porque é imortal, é a ideia – símbolo – o sonho que fecunda o real. Na base da loucura encontra-se o desejo de grandeza que o sujeito poético assume com orgulho – por isso, o herói encontra a morte.

De salientar a interrogação retórica dos 3 últimos versos do poema em que o poeta faz referência à loucura enquanto energia criativa que poderá ser utilizada para a reconstrução nacional. Sem o sonho (loucura) o homem não se distinguirá do animal. É através do sonho que o homem é capaz de seguir em frente, sem temer a morte.




domingo, 14 de janeiro de 2018

D. DINIS - OS LUSÍADAS vs MENSAGEM






D. Dinis


Os Lusíadas - No texto de Os Lusíadas, D. Dinis é-nos apresentado como um rei de ascendência nobre, amante da paz e da justiça (1ª est.)  e um mecenas, na medida em que promoveu o saber e a poesia. Foi ele quem mandou plantar o pinhal de Leiria cuja madeira viria a ser utilizada na construção das naus destinadas aos Descobrimentos.
            No conjunto destas características, salienta-se o facto de ter sido ele quem criou a 1ª universidade do nosso país, em Coimbra, embora hoje já se saiba que a 1ª surgiu em Lisboa. Por esta razão, Coimbra é comparada a Atenas, local onde são premiados os que se dedicam ao estudo da música e da poesia. O seu reinado foi próspero e longo.


            Mensagem - O sujeito lírico apresenta o rei como trovador e o plantador do pinhal de Leiria, sendo estes os aspetos a que dá maior importância. No último caso, sugere mesmo que este rei estaria predestinado a construir um Império rico e abundante.


sábado, 6 de janeiro de 2018

"MENSAGEM": ... TALVEZ INTERESSE SABER.



(D. Sebastião) Mergulhado em Deus, com Deus comungará e de Deus se encherá. E, quando voltar à terra dos homens (“regressarei”), será em forma *hipostática, homem feito Deus, como Cristo, o que cremos ser o significado do “O” e do “Esse” maiúsculos, referidos a ele, D. Sebastião.
António Cirurgião, in O Olhar Esfíngico da Mensagem de Pessoa, ICALP




*  Hipóstase – união da natureza divina e da natureza humana na pessoa de Cristo.



A esperança do Quinto Império, tal qual em Portugal a sonhamos e concebemos, não se ajusta, por natureza, ao que a tradição figura como o sentido da interpretação dada por Daniel ao sonho de Nabucodonosor.
Nessa figuração tradicional, é este o seguimento dos impérios: o Primeiro é o da Babilónia, o Segundo o Medo-Persa, o Terceiro o da Grécia e o Quarto de Roma, ficando o Quinto, como sempre, duvidoso. Nesse esquema porém, que é de Impérios materiais, o último é plausivelmente entendido como sendo o Império de Inglaterra. Desse modo se interpreta naquele país; e creio que, nesse nível, se interpreta bem.
Não é assim no esquema português. Esse, sendo espiritual, em vez de partir, como naquela tradição, do império material da Babilónia, parte, antes, com a civilização que vivemos, do império espiritual da Grécia, origem do que espiritualmente somos.
E, sendo esse o Primeiro Império, o Segundo é o de Roma. O Terceiro o da Cristandade e o Quarto o da Europa – isto é, da Europa laica de depois da Renascença. Aqui o Quinto Império terá de ser outro que o inglês porque terá de ser de outra ordem. Nós o atribuímos a Portugal para quem o esperamos.

Fernando Pessoa, (textos transcritos por António Quadros)
in Fernando Pessoa, iniciação global à obra, Ed. Arcádia


 O Quinto Império sonhado por Bandarra não é apenas o do regresso do novo Rei Artur português para restaurar o pequeno reino lusitano, nem propriamente o temporal reino de Cristo, visionado por António Vieira. A restauração política de Portugal do seu tempo interessou a Fernando Pessoa, como é de sobra conhecido, ao ponto de ver em Sidónio Pais um novo D. Sebastião. Mas o Quinto Império com que sonha é um império cultural. É desse império, e não de outro, que talvez seja ele mesmo o D. Sebastião…

Eduardo Lourenço, Portugal como Destino, seguido de Mitologia da Saudade, Ed. Gradiva




MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA - O PENSAMENTO PESSOANO


 Patriotismo e predestinação divina

O meu intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o  estado de Portugal provocam em mim - como explicar com que ardor, com que intensidade, com que sinceridade! - mil projetos que, mesmo se realizáveis por um só homem, exigiriam dele uma característica puramente negativa em mim ­ força de vontade. (…)
Ninguém suspeita do meu amor patriótico, mais intenso do que o de todos aqueles a quem encontro ou conheço.

Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Autointerpretação,
pp. 7-8, Ática (1966)

Só duas nações - a Grécia passada e Portugal futuro - receberam dos deuses a concessão de serem não só elas mas também todas as outras. (…)
Tristes de nós se faltarmos à missão que Aquele que nos pôs ao Ocidente da Europa, e tais nos fez quais somos, nos impôs quando nos deu este nosso aceso e transcendido espírito aventureiro. Depois da conquista dos mares deve vir a conquista das almas.

Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política,
pp. 134 e 240, Ática (1980)



Aqueles portugueses do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia minguado a estatura nacional dos homens e falido a panaceia abstrata dos sistemas. A angústia e a inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na mão direita, o peso ao seu valor científico.
Serão, talvez e oxalá, habitantes de um período mais feliz (…) aqueles que lerem, aproveitando, estas páginas arrancadas, na mágoa de um presente infeliz, à saudade imensa de um futuro melhor.

Fernando Pessoa, Da República,
 p. 105, Ática (1979)


O mito sebastianista

Há só uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação - a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. (…)
Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o incarnar. Feito isso, cada um de nós independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem. Então se dará na alma da nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.

Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, vol. 111,
pp. 652/3 e 654



O português das Descobertas

Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo de Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.
Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sem­pre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projetam a sua fé de que a família se não extinguisse.

Fernando Pessoa, op. cit., vaI. 111,
pp. 554 e 555

MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA: NOÇÕES E UM POUCO MAIS


P O R T U G A L ¬ oito letras ® M E N S A G E M

“mens agitat molem” (Virgílio, Eneida, 6, 727) – “Mensagitatmolem”
O espírito move a massa (matéria), isto é, a inteligência domina as forças físicas.

  Mensagem é uma coletânea de poemas breves, escritos entre 1913 e 1934, ano da sua publicação. Revela o caráter épico e místico de Pessoa e deveria ser lida simbolicamente pelos iniciados do esoterismo. A obra divide-se em três partes:
·       Brasão (“bellum sine bello”: guerra sem guerra) – Retrato heráldico do Portugal antigo através do brasão nacional. Divide-se em cinco partes: “Os Campos”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa” e “O Timbre”. Remete para heróis míticos ou lendários como Ulisses, Viriato, o conde D. Henrique, D. Afonso Henriques, D. Dinis ou D. Sebastião.
·       Mar Português (“possessio maris”: a posse do mar) – Narração épica dos feitos oceânicos dos portugueses (o apogeu da pátria). Portugal desafia o mar ignoto e triunfa sobre a Distância que, em sentido literal, é a descoberta dos caminhos marítimos da Ásia e da América. Porém, em sentido figurado representa o cumprimento de uma missão religiosa (ou esotérica) simbolizada pela cruz das velas das naus. Esta parte foca personalidades e acontecimentos dos Descobrimentos como o infante D. Henrique, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, o Adamastor ou o sofrimento do povo português.
·         O Encoberto (“pax in excelsis”: paz nas alturas) – Contém poemas de índole profética e sebastianista e divide-se em três partes: “Os Símbolos”, “Os Avisos” e “Os Tempos”. Refere-se à nostalgia da grandeza perdida, ao presente de sofrimento, de mágoa, que é preciso mudar e ao sonho de um império espiritual. A mudança, anunciada por símbolos e profecias, tornaria Portugal numa grande potência a nível mundial, quer no plano material (como no passado) quer espiritualmente – o Quinto Império.

     Chamou-se Quinto Império ao sonho mítico do Padre António Vieira (1608-1697) segundo o qual Portugal, através de D. João IV (1604-1656), consumaria a realização do reino universal de Cristo. Seria um império espiritual, construído com esforço pelo homem, que abandonaria o reino terreno para viver no divino. A pátria, como símbolo materno, liga-se à terra acolhedora e ao paraíso perdido (Éden) que concentra todas as possibilidades de satisfação dos desejos humanos. O Quinto Império remete para a unidade e perfeição: é uma hipótese de transformação e de purificação da Humanidade. Em última análise representa a relação harmoniosa entre o Homem e o mundo, entre este e Deus.
     O desaparecimento de D. Sebastião (1554-1578) significou, para o país, a perda da identidade nacional. Reencontrar um novo império, através de Portugal, seria a apropriação definitiva da essência do mito sebastianista.
     Assim, para Pessoa estavam criadas as condições para fazer de Portugal um Paraíso na Terra – o Quinto Império.

“E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova que não existe no espaço, em naves que são construídas «daquilo que os sonhos são feitos».”

Fernando Pessoa
“Temos felizmente o mito sebastianista com raízes profundas no passado e na alma portu-guesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo.”
 
O número três é simbólico e em várias religiões a tríade representa a perfeição, tal como na religião católica:
Pai, Filho e Espírito Santo. É também um número fundamental no esoterismo.

“Esta estrutura tripartida [da Mensagem] é simbólica. Com efeito, desenha-se aqui a história cíclica de um povo: o nascimento, o apogeu e a morte. Simplesmente a morte permite o ressurgimento das cinzas.”

António Borregana
“A vinda do encoberto iniciará um novo ciclo, o mais glorioso da nossa história – o Quinto Império. E quanto mais as coisas se degradam em Portugal, mais perto Fernando Pessoa vê a chegada do Salvador.”

O Quinto Império, segundo António Quadros
(ler o poema “O Quinto Império” na terceira parte de Mensagem)
Império Material
Império Espiritual
1º - Babilónia
2º - Medo-Persa
3º - Grécia
4º - Roma
5º - Inglaterra
1º - Grécia
2º - Roma
3º - Cristandade
4º - Europa
5º - (Portugal)

  António Quadros considera que Mensagem “é sem dúvida a obra-prima onde Pessoa (…) imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.”


APONTAMENTOS SOBRE "MENSAGEM" DE FERNANDO PESSOA ... ESTRUTURA E AFINS



Mensagem



Estrutura e valores simbólicos

Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes, ou seja, as etapas da evolução do Império Português - nascimento, realização e morte. No Brasão, estão os construtores do Império; em Mar Português surge o sonho marítimo e a obra das descobertas; n' O Encoberto há a imagem do Império moribundo, com a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, o espírito do império moral e civilizacional na diáspora lusíada.
O Poema começa com a expressão latina Benedictus Dominus Deus noster que dedit nobis signum ("Bendito o Senhor Nosso Deus que nos deu o sinal"), anunciando, de imediato, o sentido simbólico e messiânico que o percorre. Cada uma das partes do Poema inicia-se também com uma expressão latina: na primeira, surge Bellum sine bello ("Guerra sem guerra") a sugerir, pelo jogo dos oxímoros, que, no início, havia um espaço que tinha de ser conquistado pois fazia parte de um desígnio; na segunda parte, ocorre Possessio maris ("Posse do mar"), a traduzir o domínio dos mares e a expansão; na terceira parte, há uma Pax in excelsis ("Paz nos céus"), que marcará o Quinto Império. O Poema termina com um Valete Frates ("Felicidades, irmãos"), acreditando no desígnio de um Reino de Fraternidade, graças ao Quinto Império e assumindo um carácter de incentivo ("Força, irmãos") para a construção desse novo Portugal.
A primeira parte - Brasão - começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo, procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental quando afirma “O rosto com que fita é Portugal!”: Depois define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos necessários à construção da realidade; apresenta os Portugueses como um povo heróico e guerreiro, construtor do império marítimo; faz a valorização dos predestinados que construíram o país; e refere as mulheres portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como "antigo seio vigilante" ou "humano ventre do Império".
A segunda parte - Mar Português - inicia-se com o poema Infante, onde o Poeta exprime a sua concepção messiânica da História, mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que implica Deus como causa primeira, o homem como agente intermediário e a obra como efeito. Nos outros poemas evoca a gesta dos Descobrimentos com as glórias e as tormentas, considerando que valeu a pena. O último poema da segunda parte é a Prece, onde renova o sonho. Em Mar Português procura simbolizar a essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho.
A terceira parte - O Encoberto - encontra-se tripartida em Os símbolos, Os avisos e Os  tempos. Com os primeiros, começa por manifestar a esperança e o “sonho português”, pois o actual Império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição. Nos três avisos define os espaços de Portugal; com os cinco tempos traduz a ânsia e a saudade daquele Salvador/O Encoberto que, na Hora, deverá chegar, para edificar o Quinto Império, cujo espírito será moral e civilizacional.
Mensagem recorre ao ocultismo para criar o herói, O Encoberto, que se apresenta como D. Sebastião. Note-se que o ocultismo remete para um sentimento de mistério, indecifrável para a maioria dos mortais. Daí que só o detentor do privilégio esotérico (= oculto/secreto) se encontra legitimado para realizar o sonho do Quinto Império. Para Fernando Pessoa, que fez a iniciação no rosacrucianismo [1], só alguns aparecem predestinados a decifrar o sentido das sombras do mundo sensível (influência platónica). O nosso mundo sensível e Portugal só se cumprirão por força e vontade criadora do mundo inteligível, onde está a ideia como verdadeira realidade perpétua e essencial.


[1] Entre as várias interpretações da simbologia Rosa-Cruz, é possível no poema O Encoberto ver na rosa o círculo, que exprime os ideais de perfeição, e a cruz, que representa todos os tormentos até os conseguir alcançar (a fraternidade Rosa-Cruz, que Fernando Pessoa defende e cujo símbolo é comum a alguns rituais da maçonaria, aparece como a sociedade secreta que sonhava o advento de um mundo pacífico e feliz).