Patriotismo
e predestinação divina
O meu intenso sofrimento patriótico, o meu intenso
desejo de melhorar o estado de Portugal
provocam em mim - como explicar com que ardor, com que intensidade, com que
sinceridade! - mil projetos que, mesmo se realizáveis por um só homem,
exigiriam dele uma característica puramente negativa em mim força de vontade.
(…)
Ninguém suspeita do meu amor patriótico, mais intenso
do que o de todos aqueles a quem encontro ou conheço.
Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Autointerpretação,
pp. 7-8, Ática (1966)
Só duas nações - a Grécia passada e Portugal futuro -
receberam dos deuses a concessão de serem não só elas mas também todas as
outras. (…)
Tristes de nós se faltarmos à missão que Aquele que
nos pôs ao Ocidente da Europa, e tais nos fez quais somos, nos impôs quando nos
deu este nosso aceso e transcendido espírito aventureiro. Depois da conquista
dos mares deve vir a conquista das almas.
Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política,
pp. 134 e 240, Ática (1980)
Aqueles portugueses do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem
qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer
que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia
minguado a estatura nacional dos homens e falido a panaceia
abstrata dos sistemas. A angústia e a inquietação de
quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão
inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda,
quando se tome, na mão direita, o peso ao seu valor
científico.
Serão, talvez e oxalá, habitantes de um período mais
feliz (…) aqueles que lerem, aproveitando, estas páginas
arrancadas, na mágoa de um presente infeliz, à saudade imensa
de um futuro melhor.
Fernando Pessoa, Da República,
p.
105, Ática (1979)
O mito sebastianista
Há só uma espécie de propaganda com que se pode
levantar o moral de uma nação - a construção ou renovação e a difusão
consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade
odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que
a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser
despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com
tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da
mentira que criou. (…)
Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes
profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil;
não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar
desse sonho, por o integrar em nós, por o incarnar. Feito isso, cada um de nós
independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que
dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros,
como nós, o respirem. Então se dará na alma da nação o fenómeno imprevisível de
onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império.
Terá regressado El-Rei D. Sebastião.
Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa,
vol. 111,
pp. 652/3 e 654
O português das Descobertas
Há três
espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um
começou com a nacionalidade: é
o português típico, que forma o
fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando
obscura e modestamente em
Portugal e por toda a parte de todas as partes
do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão
mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo de Marquês de
Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se
completa com a República. Este
português (que é o que forma
grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país.
Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade,
parisiense e moderno. Contra
sua vontade, é estúpido.
Há um
terceiro português, que começou a existir
quando Portugal, por alturas de El-rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as
Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir , mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele
D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir , e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projetam a
sua fé de que a família se
não extinguisse.
Fernando Pessoa,
op. cit., vaI. 111,
pp. 554
e 555
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