sábado, 6 de janeiro de 2018

MENSAGEM DE FERNANDO PESSOA - O PENSAMENTO PESSOANO


 Patriotismo e predestinação divina

O meu intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o  estado de Portugal provocam em mim - como explicar com que ardor, com que intensidade, com que sinceridade! - mil projetos que, mesmo se realizáveis por um só homem, exigiriam dele uma característica puramente negativa em mim ­ força de vontade. (…)
Ninguém suspeita do meu amor patriótico, mais intenso do que o de todos aqueles a quem encontro ou conheço.

Fernando Pessoa, Páginas Íntimas e de Autointerpretação,
pp. 7-8, Ática (1966)

Só duas nações - a Grécia passada e Portugal futuro - receberam dos deuses a concessão de serem não só elas mas também todas as outras. (…)
Tristes de nós se faltarmos à missão que Aquele que nos pôs ao Ocidente da Europa, e tais nos fez quais somos, nos impôs quando nos deu este nosso aceso e transcendido espírito aventureiro. Depois da conquista dos mares deve vir a conquista das almas.

Fernando Pessoa, Ultimatum e Páginas de Sociologia Política,
pp. 134 e 240, Ática (1980)



Aqueles portugueses do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia minguado a estatura nacional dos homens e falido a panaceia abstrata dos sistemas. A angústia e a inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na mão direita, o peso ao seu valor científico.
Serão, talvez e oxalá, habitantes de um período mais feliz (…) aqueles que lerem, aproveitando, estas páginas arrancadas, na mágoa de um presente infeliz, à saudade imensa de um futuro melhor.

Fernando Pessoa, Da República,
 p. 105, Ática (1979)


O mito sebastianista

Há só uma espécie de propaganda com que se pode levantar o moral de uma nação - a construção ou renovação e a difusão consequente e multímoda de um grande mito nacional. De instinto, a humanidade odeia a verdade, porque sabe, com o mesmo instinto, que não há verdade, ou que a verdade é inatingível. O mundo conduz-se por mentiras; quem quiser despertá-lo ou conduzi-lo terá que mentir-lhe delirantemente, e fá-lo-á com tanto mais êxito quanto mais mentir a si mesmo e se compenetrar da verdade da mentira que criou. (…)
Temos, felizmente, o mito sebastianista, com raízes profundas no passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho é pois mais fácil; não temos que criar um mito, senão que renová-lo. Comecemos por nos embebedar desse sonho, por o integrar em nós, por o incarnar. Feito isso, cada um de nós independentemente e a sós consigo, o sonho se derramará sem esforço em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosfera estará criada, em que todos os outros, como nós, o respirem. Então se dará na alma da nação o fenómeno imprevisível de onde nascerão as Novas Descobertas, a Criação do Mundo Novo, o Quinto Império. Terá regressado El-Rei D. Sebastião.

Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, vol. 111,
pp. 652/3 e 654



O português das Descobertas

Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português. Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura e modestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo de Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.
Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sem­pre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projetam a sua fé de que a família se não extinguisse.

Fernando Pessoa, op. cit., vaI. 111,
pp. 554 e 555

Sem comentários:

Enviar um comentário

COMENTE, SUGIRA, PERGUNTE, OPINE...