Fernando Pessoa
Primeiro: O DOS CASTELOS
Primeiro
O DOS
CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972). - 21.
– O poema está construído com base numa
personificação da Europa, como se se tratasse de um corpo humano. Esta
personificação permite uma aproximação da realidade da geografia física com o
mito que deu origem à designação Europa e possibilita o realce de algumas partes desse corpo.
– A descrição vai-se desenvolvendo do geral para o
particular. O sujeito poético refere, logo no início do poema, o tema gerador
da descrição – «A Europa» – e apresenta os dois traços definidores: «jaz, posta
nos cotovelos» e «fitando». Estes dois traços serão desenvolvidos nas segunda,
terceira e quarta estrofes. A segunda estrofe caracteriza os dois «cotovelos»,
nomeia-os, indica a sua forma e concretiza a visualização (o direito,
representando a Inglaterra e o esquerdo, a Itália, locais onde se encontram as
raízes culturais que constituem a identidade europeia). A terceira e quarta
estrofes organizam-se em volta do verbo «fitar», desvendando a simbologia do
olhar no poema e justificando a importância do rosto e do olhar.
– O poema assenta em duas imagens contraditórias: uma
imagem de lassidão, de dormência transmitida pelo verbo jazer e uma outra
de expectância, de captação e de compreensão traduzida pelo verbo fitar
o qual aponta, igualmente, para uma renovação.. Estas duas imagens simbolizam a
conjugação do passado com o presente e com o futuro, denunciando a importância
de Portugal na construção desse futuro.
– A importância de Portugal, rosto da Europa, e
portanto, a face visível de tudo o que ela representa, é posta em relevo pelo
monóstico final do poema, sendo Portugal visto também como cabeça (rosto) da
Europa. A organização descritiva inicial do poema, de maior fôlego, vai-se
condensando, para se apoiar, na parte final, no rosto e no olhar. A diminuição
de versos nesta última parte indicia a valorização crescente que se prenuncia e
cuja tónica é colocada no último vocábulo do poema – Portugal.
–
O texto poético apresentado na
prova é o primeiro poema da primeira parte, Brasão,
da obra Mensagem. Como este poema já
revela, há, na obra, uma valorização de Portugal dentro da Europa e a
“mensagem” que se procura veicular é a da importância de um povo como vaticinador
de um mundo novo, mas, simultaneamente, a advertência para a decadência desse
povo. Como acontece para a Europa, neste poema, várias figuras históricas ou
mitológicas são apresentadas em poemas distintos, havendo o realce para os seus
traços essenciais.
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