sábado, 20 de janeiro de 2018

O DOS CASTELOS - ANOTAÇÕES



Fernando Pessoa
Primeiro: O DOS CASTELOS

        Primeiro
        O DOS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

8-12-1928
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).  - 21.





      O poema está construído com base numa personificação da Europa, como se se tratasse de um corpo humano. Esta personificação permite uma aproximação da realidade da geografia física com o mito que deu origem à designação Europa e possibilita o realce de algumas partes desse corpo.
      A descrição vai-se desenvolvendo do geral para o particular. O sujeito poético refere, logo no início do poema, o tema gerador da descrição – «A Europa» – e apresenta os dois traços definidores: «jaz, posta nos cotovelos» e «fitando». Estes dois traços serão desenvolvidos nas segunda, terceira e quarta estrofes. A segunda estrofe caracteriza os dois «cotovelos», nomeia-os, indica a sua forma e concretiza a visualização (o direito, representando a Inglaterra e o esquerdo, a Itália, locais onde se encontram as raízes culturais que constituem a identidade europeia). A terceira e quarta estrofes organizam-se em volta do verbo «fitar», desvendando a simbologia do olhar no poema e justificando a importância do rosto e do olhar.
      O poema assenta em duas imagens contraditórias: uma imagem de lassidão, de dormência transmitida pelo verbo jazer e uma outra de expectância, de captação e de compreensão traduzida pelo verbo fitar o qual aponta, igualmente, para uma renovação.. Estas duas imagens simbolizam a conjugação do passado com o presente e com o futuro, denunciando a importância de Portugal na construção desse futuro.
      A importância de Portugal, rosto da Europa, e portanto, a face visível de tudo o que ela representa, é posta em relevo pelo monóstico final do poema, sendo Portugal visto também como cabeça (rosto) da Europa. A organização descritiva inicial do poema, de maior fôlego, vai-se condensando, para se apoiar, na parte final, no rosto e no olhar. A diminuição de versos nesta última parte indicia a valorização crescente que se prenuncia e cuja tónica é colocada no último vocábulo do poema – Portugal.
      O texto poético apresentado na prova é o primeiro poema da primeira parte, Brasão, da obra Mensagem. Como este poema já revela, há, na obra, uma valorização de Portugal dentro da Europa e a “mensagem” que se procura veicular é a da importância de um povo como vaticinador de um mundo novo, mas, simultaneamente, a advertência para a decadência desse povo. Como acontece para a Europa, neste poema, várias figuras históricas ou mitológicas são apresentadas em poemas distintos, havendo o realce para os seus traços essenciais. 




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