domingo, 24 de setembro de 2017

FOLHAS CAÍDAS DE ALMEIDA GARRETT - A PROPÓSITO DE "ADVERTÊNCIA" (2)



ALGUMAS NOTAS SOLTAS E OUTRAS MENOS :)

- o poeta adverte o leitor do que se segue;
- é um texto ensaístico que teoriza a conceção de poeta e de poesia na época romântica [o poeta é o profeta, o vidente que é diferente dos outros seres pois é "espírito", logo, "imortal"; a poesia, o meio onde esse espírito se espraia, conduzindo-o à imortalidade];
- atendendo à data em que foi escrito - 1853, um ano após a publicação de Folhas Caídas - o texto pode ser considerado um testamento humano do seu autor;
- romântico mais de alma do que de estilo, podemos ver na Advertência que o poeta se riu do que escreveu na juventude e volta a um fio julgado perdido, no momento em que o amor o rejuvenesce para o sonho e para a felicidade mas também para um destino adverso, onde já só a saudade resiste;
- o poeta considera-se no outono da vida; 
- Garrett conclui que um poeta, por mais que tente deixar a poesia e dedicar-se à prosa, não deixa nunca de ser poeta [refere-se ao facto de já ter mencionado na obra anterior, Flores sem Fruto, que estes seriam os últimos poemas que publicaria];
- esta coleção de poemas pertence a um período de vida íntima do poeta;
- o poeta está apaixonado por uma senhora casada;
- o poeta tem 54 anos, momento de consciência dos erros da juventude;
- existe um momento de rebeldia que se encontra mais próximo do jovem do que do homem maduro;
- momento propício à intimidade e ao recolhimento da vida do poeta; 
- na relação com a sociedade, esta última não aceita o poeta e geram-se conflitos; ele é, sobretudo, um incompreendido;
- tendencialmente, o poeta romântico é muito solitário e pouco solidário.



"FOLHAS CAÍDAS" DE ALMEIDA GARRETT - A PROPÓSITO DE "ADVERTÊNCIA" (1)



Na Advertência encontramos algumas linhas de leitura da poesia amorosa de Folhas Caídas, a saber:

a) "O poeta é um fingidor": a sua missão é criar. Além disso, Garrett tem a particularidade de saber jogar com o leitor, desculpabilizando-se sempre.

b) o poeta aspira sempre ao impossível, mesmo sabendo que nunca o atingirá.

E porque a poesia do Romantismo é uma poesia de contradições, eis-nos perante a primeira:

- aspira-se ao Ideal sabendo da incapacidade de o atingir.

c) o poema Ignoto Deo reflete a busca deste Ideal, uma mulher divinizada mas terrena...

- aspira-se a um Ideal Celeste numa "mulher terrestre"  (segunda contradição).

d) o poeta é um "louco" pois aspira ao impossível. Todavia, essa "loucura" é bem calculada e permite todos os exageros.

e) o poeta é um incompreendido, um maldito, "Deixai-o passar porque ele vai onde vós não ides (...)" apresentado como um ser excecional, distante dos restantes. O poeta representa a espiritualidade, os outros, os que o leem, a matéria: "Vai, porque é espírito, e vós sois matéria."

f) através deste texto, Garrett fornece aos leitores a chave da leitura dos poemas amorosos.

** a poesia do Romantismo é:

- poesia de contradições e de conflitos;
- poesia de divinização da mulher, um anjo que desceu do céu e vive na terra, perdido, a quem o homem se submete, fazendo lembrar, em parte, as cantigas de amor ou o petrarquismo;
- poesia de expressão espontânea de sentimentos, que parece próxima da vida;
- é poesia-máscara, poesia teatro, em que o autor "joga" dentro do texto e com o leitor.




FOLHAS CAÍDAS - POESIA DE CONTRADIÇÕES E DE CONTRASTES





Uma perspetiva global da obra


Poesia amorosa plena de contradições e de contrastes:
[com indicação dos poemas]


• a mulher-anjo e mulher-demónio; o céu e o inferno; a salvação e a perdição; a vida e a morte; a alma e o corpo; a plenitude e o vazio; a ventura e a tristeza; a vida e a razão; o fascínio e a destruição; o anuir e o querer; ... - Este inferno de amar; Anjo és; Não te amo; Adens; Gozo e dor. Os cinco sentidos;
• Os efeitos contraditórios do amor — Este inferno de amar; Gozo e dor;
• O poeta idealista; o anseio do amor puro e ideal — Ignoto deo;
• O amor intenso irrelatado, real e autêntico; o amor-paixão; o amor sem convenções e sem limites; o amor vivido <• partilhado a dois (a utilização insistente dos vocábulos "rosa" e "luz", que remetem claramente para a inspiradora destes poemas) - Gozo e dor; Estes sítios; Anjo és;
• A sensualidade e o erotismo (a erotização, o delírio dos sentidos, o êxtase carnal) - Os cinco sentidos;
• A paixão absorvente e total, a dependência do EU ao TU, a intensidade do amor-paixão — Os cinco sentidos; Anjo és; Destino; Gozo e dor; Este inferno de amar;
• O ciúme (que implica a capacidade de aceitar o direito de escolha da mulher e o reconhecimento desse direito) — Adeus:
• O destino, a fatalidade (o sujeito cumpre o que está superiormente definido) - Destino; Seus olhos;
• O jogo da sedução; a atração fatal que conduz o homem à perdição - Barca bela; Anjo és;
• A recordação do momento do encontro fatal - Este inferno de amar; Seus olhos;
• A superlativação da mulher - Os cinco sentidos;
• A incapacidade de amar a mulher que o próprio poeta divinizou - Adeus;
• O drama do herói romântico que reconhece a inferioridade do seu comportamento (mas não consegue resolver o conflito entre o amor puro, espiritual, ideal, platónico e o amor pagão, materialista, fruto do desejo carnal) — Não te amo;
• O poeta que reconhece os seus defeitos e os revela — Não te amo; Adeus;
• A rejeição do conhecimento racional e a apologia do conhecimento pelos sentidos (o sentir submerge o saber; o coração predomina sobre a razão) - Os cinco sentidos;
• O tom coloquial, natural e corrente (atitude romântica, em oposição clara ao rigor dos clássicos), o tom confessional, ora monologado, ora dialogado, ora interrogativo retórico, ora dramatizado (para-teatralidade) — Este inferno de amar; Anjo és; Adeus; Destino; Não te amo;
• O abandono das convenções clássicas: do rigor métrico e rítmico, do verso branco preconizado pelos árcades;

• A linguagem simples, fluente, sem grandes efeitos estilísticos, mas colocando alguns recursos estéticos (aliterações, sinestesias, metáforas, rima encadeada, pontuação variada e expressiva, frases interrogativas, exclamativas e reticentes...) ao serviço da transmissão dos estados de alma, do lirismo subjetivo e profundo...


FOLHAS CAÍDAS DE ALMEIDA GARRETT - CONSIDERAÇÕES




- os poetas da geração romântica são formados no modelo católico; o Deus invocado na sua poesia é sempre o Deus dos cristãos;
- Garrett não canta o amor passivo mas o amor que encontra resposta nos sentidos, na erotização do corpo;
- o amor cantado em Folhas Caídas está repleto de contradições entre um passado que foi "um doce sonhar" e um presente que é "um inferno de amar", contradições entre dois seres que nunca se completam, antes geram o vazio. A mulher é apresentada como um objeto de um desejo nunca atingido e, se o é, fica logo distanciado. Esta mulher é sobrevalorizada nas suas características, é um anjo, mas um anjo caído, luz e trevas.
O sujeito amoroso confessa vezes sem conta a sua incapacidade de amar porque procura o prazer físico como se fosse absoluto. Assim, cada momento de vazio foi antecedido por um outro de prazer. Razão? o prazer é momentâneo.
- os conflitos amorosos acontecem devido às contradições, à divisão maniqueísta céu/terra, corpo/alma;
** ver poemas "Este inferno de amar" e "Não te amo, quero-te"
- Garrett é um homem de teatro e não o esquece mesmo quando escreve poesia [em muitos poemas encontramos os falsos diálogos dirigidos a um Tu ausente perante o leitor e presente porque provoca o sujeito amoroso;
- os tipos de frase, a pontuação revelam as mínimas alterações do estado de espírito do sujeito poético;

*** de sabor medieval e/ou popular salientam-se os seguintes aspetos: paralelismo, refrão, estrofes e rimas mas próximas da simplicidade popular (a quadra e a redondilha), a rima (sobretudo cruzada e emparelhada), preferência pelo verso curto, estilo coloquial (marcas de oralidade, falso diálogo), linguagem simples / direta.


O ROMANTISMO E AS SUAS CARACTERÍSTICAS


- O Romantismo –


·        Primado dos valores do sentimento e da sensibilidade;
·        Individualismo
·        Hipertrofia do eu: Egocentrismo
·        Inspiração livre
·        Arte desligada de valores éticos, utilitários e sociais. Autonomia dos valores estéticos
·        Arrebatamentos, exaltação desmedida, espontaneidade
·        Nacionalismo
·        Homem indisciplinado, revoltado, irrequieto, pessimista
·     Homem que procura a evasão do real: no espaço – fuga para locais que representem qualquer coisa de exótico/diferente; no tempo – fuga para o passado (nomeadamente para épocas histórias em especial para a idade média)
·        Homem revoltado contra a sociedade, perdido do seu eu
·       Culto da mulher-anjo (frágil, pura, vestida de branco) ou então da mulher-demónio (leva os homens à perdição).
·        Amor sentimental e sensorial
·        Natureza espontânea, selvagem, sombria, melancólica
·        Preferência pelas horas sombrias ou crepusculares ou da noite
·        Preferência pelas personagens imperfeitas
·        Vocabulário familiar, afetivo, popular, sintaxe próprio da fala
·        Versificação livre e variedade estrófica
·        Gosto pela quadra
·        Democracia. Simpatia pelo povo
·        Tom coloquial
·        Exploração das noções de originalidade e de génio
·        Subversão das formas clássicas
·        Interesse pelo excecional e desmedido, procura do particular e do diverso
·       Interesse pelos anseios e enigmas profundos do homem; exaltação da energia criativa do sonho e da imaginação
·       Confessionismo evidente
·       Valorização do nacional e do popular, redescoberta do passado medieval.