segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

ULISSES - MENSAGEM, BREVE ANÁLISE



Fernando Pessoa

Primeiro: ULISSES

        Primeiro
        ULISSES
mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
s.d.

Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
  - 25.


O título do poema – Ulisses – evoca o herói da Odisseia de Homero, que, segundo a lenda, tendo-se perdido no Mediterrâneo depois da vitória de Tróia, teria aportado no estuário do Tejo e fundado a cidade de Olisipo (Lisboa).


*  Ulisses poderá representar a vocação marítima dos portugueses já que é do mar que chega este antepassado mítico dos portugueses.
*  E se Ulisses é o mito que é nada e é tudo, isso deve-se à sua importância enquanto lenda portadora de força que, por sua  vez, dá vida.
*  Na 3ª e última estrofe dá-se a passagem do nada ao tudo: “a lenda vem (escorre) de cima; ao entrar na realidade, fecunda-a – fazendo o “milagre” de tornar irrelevante a vida cá de baixo, dita do mundo real, objectivo: “Em baixo, a vida, metade/De nada, morre”. Só readquire vida aquilo que o mito/nada tudo fecunda – e o processo não é do passado, mas intemporal – daí os tempos verbais no presente.”



*** neste poema, Pessoa parece dizer-nos que não importa se as figuras de que vai ocupar-se, os heróis fundadores, tiveram ou não existência histórica. O que é importante é a sua função enquanto mito, com a força própria do mito porque é então que ele é tudo.
Assim, o que realmente importa não é saber se Ulisses terá existido realmente mas ter consciência daquilo que ele representa: “o futuro glorioso de Portugal” só poderá concretizar-se se houver apropriação da energia que ele gera e da força criadora que ele liberta. (3ª est.)
Podemos considerar que este poema ajuda a explicar os que se lhe seguirão na Mensagem onde os heróis fundadores, apesar da sua existência histórica feita de êxitos e fracassos, aparecem mitificados.



Sem comentários:

Enviar um comentário

COMENTE, SUGIRA, PERGUNTE, OPINE...