Fernando Pessoa
Primeiro: ULISSES
Primeiro
ULISSES
O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo —
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecundá-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
s.d.
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa: Parceria António Maria Pereira, 1934 (Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
- 25.
O título do poema – Ulisses – evoca o herói da Odisseia de Homero, que, segundo a
lenda, tendo-se perdido no Mediterrâneo depois da vitória de Tróia, teria
aportado no estuário do Tejo e fundado a cidade de Olisipo (Lisboa).
* Ulisses poderá representar a vocação marítima dos portugueses já que é do
mar que chega este antepassado mítico dos portugueses.
* E se Ulisses é o mito que é nada e é tudo, isso
deve-se à sua importância enquanto lenda portadora de força que, por sua vez, dá
vida.
* Na 3ª e última estrofe dá-se a passagem do nada ao
tudo: “a lenda vem (escorre) de cima;
ao entrar na realidade, fecunda-a –
fazendo o “milagre” de tornar irrelevante a vida cá de baixo, dita do mundo
real, objectivo: “Em baixo, a vida,
metade/De nada, morre”. Só readquire vida aquilo que o mito/nada tudo
fecunda – e o processo não é do passado, mas intemporal – daí os tempos verbais
no presente.”
*** neste poema, Pessoa parece dizer-nos que não
importa se as figuras de que vai ocupar-se, os heróis fundadores, tiveram ou
não existência histórica. O que é importante é a sua função enquanto mito, com
a força própria do mito porque é então que ele é tudo.
Assim, o que realmente importa não é saber se Ulisses
terá existido realmente mas ter consciência daquilo que ele representa: “o
futuro glorioso de Portugal” só poderá concretizar-se se houver apropriação da
energia que ele gera e da força criadora que ele liberta. (3ª est.)
Podemos
considerar que este poema ajuda a explicar os que se lhe seguirão na Mensagem onde os heróis fundadores,
apesar da sua existência histórica feita de êxitos e fracassos, aparecem
mitificados.
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