sábado, 6 de janeiro de 2018

APONTAMENTOS SOBRE "MENSAGEM" DE FERNANDO PESSOA ... ESTRUTURA E AFINS



Mensagem



Estrutura e valores simbólicos

Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes, ou seja, as etapas da evolução do Império Português - nascimento, realização e morte. No Brasão, estão os construtores do Império; em Mar Português surge o sonho marítimo e a obra das descobertas; n' O Encoberto há a imagem do Império moribundo, com a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, o espírito do império moral e civilizacional na diáspora lusíada.
O Poema começa com a expressão latina Benedictus Dominus Deus noster que dedit nobis signum ("Bendito o Senhor Nosso Deus que nos deu o sinal"), anunciando, de imediato, o sentido simbólico e messiânico que o percorre. Cada uma das partes do Poema inicia-se também com uma expressão latina: na primeira, surge Bellum sine bello ("Guerra sem guerra") a sugerir, pelo jogo dos oxímoros, que, no início, havia um espaço que tinha de ser conquistado pois fazia parte de um desígnio; na segunda parte, ocorre Possessio maris ("Posse do mar"), a traduzir o domínio dos mares e a expansão; na terceira parte, há uma Pax in excelsis ("Paz nos céus"), que marcará o Quinto Império. O Poema termina com um Valete Frates ("Felicidades, irmãos"), acreditando no desígnio de um Reino de Fraternidade, graças ao Quinto Império e assumindo um carácter de incentivo ("Força, irmãos") para a construção desse novo Portugal.
A primeira parte - Brasão - começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo, procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental quando afirma “O rosto com que fita é Portugal!”: Depois define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos necessários à construção da realidade; apresenta os Portugueses como um povo heróico e guerreiro, construtor do império marítimo; faz a valorização dos predestinados que construíram o país; e refere as mulheres portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como "antigo seio vigilante" ou "humano ventre do Império".
A segunda parte - Mar Português - inicia-se com o poema Infante, onde o Poeta exprime a sua concepção messiânica da História, mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que implica Deus como causa primeira, o homem como agente intermediário e a obra como efeito. Nos outros poemas evoca a gesta dos Descobrimentos com as glórias e as tormentas, considerando que valeu a pena. O último poema da segunda parte é a Prece, onde renova o sonho. Em Mar Português procura simbolizar a essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho.
A terceira parte - O Encoberto - encontra-se tripartida em Os símbolos, Os avisos e Os  tempos. Com os primeiros, começa por manifestar a esperança e o “sonho português”, pois o actual Império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição. Nos três avisos define os espaços de Portugal; com os cinco tempos traduz a ânsia e a saudade daquele Salvador/O Encoberto que, na Hora, deverá chegar, para edificar o Quinto Império, cujo espírito será moral e civilizacional.
Mensagem recorre ao ocultismo para criar o herói, O Encoberto, que se apresenta como D. Sebastião. Note-se que o ocultismo remete para um sentimento de mistério, indecifrável para a maioria dos mortais. Daí que só o detentor do privilégio esotérico (= oculto/secreto) se encontra legitimado para realizar o sonho do Quinto Império. Para Fernando Pessoa, que fez a iniciação no rosacrucianismo [1], só alguns aparecem predestinados a decifrar o sentido das sombras do mundo sensível (influência platónica). O nosso mundo sensível e Portugal só se cumprirão por força e vontade criadora do mundo inteligível, onde está a ideia como verdadeira realidade perpétua e essencial.


[1] Entre as várias interpretações da simbologia Rosa-Cruz, é possível no poema O Encoberto ver na rosa o círculo, que exprime os ideais de perfeição, e a cruz, que representa todos os tormentos até os conseguir alcançar (a fraternidade Rosa-Cruz, que Fernando Pessoa defende e cujo símbolo é comum a alguns rituais da maçonaria, aparece como a sociedade secreta que sonhava o advento de um mundo pacífico e feliz).

Sem comentários:

Enviar um comentário

COMENTE, SUGIRA, PERGUNTE, OPINE...