quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Fernando Pessoa versus Alberto Caeiro




            Fernando Pessoa nunca conseguiu evitar o incómodo de pensar.
           Tentou sair, sem o conseguir, do drama do seu “eu” para quem “pensar era sentir dor”.
            Assim, transferiu a sua alma para um poeta bucólico que olha e sente o mundo com simplicidade. Mas nem deste modo o poeta consegue fugir à inteligência que tolda a simples alegria de ver.

            Fernando Pessoa, um novelo enrolado para dentro ou drama de um “eu” que não se consegue harmonizar com o exterior. Formalmente, são recorrentes na poesia ortónima as orações subordinadas que indiciam a necessidade psicológica deste “eu” de se explicar, justificar.
            Pelo contrário, Caeiro vive em perfeito equilíbrio com a Natureza, com o exterior ou mundo real, de forma direta (expressa-se, sobretudo, através de orações coordenadas com recorrência à copulativa [e] e à disjuntiva [ou]).
            Caeiro escreve e pensa versos a passear, atividades simultâneas sugeridas pela presença das formas no gerúndio, base da originalidade da sua poesia, caracterizada pela calma e pelo movimento das imagens.
            Não será pois difícil perceber que, com Caeiro, nos encontramos nos antípodas da poesia ortónima. Enquanto Pessoa é “Um novelo embrulhado para o lado de dentro”, Alberto Caeiro desembrulha-se em sensações, desembrulhando ao mesmo tempo tudo na sua “realidade imediata”. Por esta razão, Caeiro não sofre o que leva Pessoa ortónimo a considerá-lo o “mestre” porque consegue o que para ele é inatingível.
            E, se a poesia do “mestre” se caracteriza pela utilização de um vocabulário simples e prosaico, pela calma e movimento de um caminhar sem rumo que nos surge lado a lado com um “sentar-se”, já na poesia do ortónimo não existe progressão.
            Caeiro é um ser natural que vive no seio da Natureza (daí o seu vocabulário e imagística simples, do campo semântico da própria Natureza: rebanhos, pastor, vento, sol e pôr-do-sol) e que tem “pensamentos contentes” embora lamente que estes sejam contentes porque “pensar incomoda como andar à chuva”. Ora, facilmente se reconhece neste processo um modo de pensamento que derruba a teoria de um Caeiro “ser-não-pensante”.
A própria ideia da recusa de pensar, obriga a pensar nisso.
            Caeiro não ambiciona nada, nem o ser poeta mas, e apesar de não querer fazer literatura, há literatura, há expressividade literária neste texto – falo de “O Guardador de Rebanhos”.
            Alberto Caeiro vê as coisas apenas com os olhos, não com a mente. Quando olha para uma flor, não permite que isso provoque quaisquer pensamentos ou, tomando o exemplo da pedra: a única coisa que uma pedra lhe diz é que nada tem para lhe dizer.
“A sua poesia é, de facto, “sensacionista”. A sua base é a substituição do pensamento pela sensação, não só como base de inspiração (…)  mas como meio de expressão (…).”
Por sensação entende Caeiro a sensação das coisas tal como são, sem acrescentar qualquer elemento do pensamento pessoal, convenção, sentimento ou qualquer outro lugar da alma.


Poemas Inconjuntos

(excerto)

Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma.

Nem procurei achar nada.

Nem achei que houvesse mais explicação.

Que a palavra explicação não tem sentido nenhum.


            NOTA:

            Estudei Fernando Pessoa na cadeira de Literatura Portuguesa I no 2º ano da Fac da UNL. A docente disse então que a melhor forma de descobrirmos Pessoa era ler toda a sua obra uma vez que tudo está lá, nas explicações do Poeta, nas palavras que são a obra, afinal, essa teoria praticamente desconhecida que é o conjunto dos seus textos em Prosa (realço Páginas Íntimas e de Auto Interpretação).

            Deixo aqui alguns versos de Caeiro que o explicam par lui-même.


            (sobre as coisas)

            Eu nem por reais as devia tratar
            Eu não as devia tratar por nada
            Eu devia vê-las apenas;
            Vê-las até não poder pensar nada.


            O que nós vemos das coisas são as coisas.
            Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?

            Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la.
            Porque conhecer é nunca ter visto pela primeira vez
            E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.


            A minha poesia é natural como levantar-se o vento.


            Eu nem sequer sou poeta: vejo.

            Eu não tenho filosofia, tenho sentidos.




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