quarta-feira, 8 de novembro de 2017

FERNANDO PESSOA: O NASCIMENTO DOS HETERÓNIMOS [2]



Na obra Pessoana há que distinguir:

** 3 heterónimos - nº da Criação; só 3 têm estatuto de criatura, os restantes são sombras do que separa o autor dessas criaturas; almas à procura de um corpo;

** 72 personagens literárias, os restantes - nº dos discípulos de Cristo; nº dos que atingiram a dimensão literária; autores que assinam texto: "escrevo, logo existo"; são só vozes.

https://www.bible.com/pt/bible/211/luk.10.1-24.ntlh


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ANTROPORFAGIA

Existiu na obra de Fernando Pessoa; de referir, no entanto, a dificuldade em saber quando entram as personagens literárias neste processo uma vez que elas se sucederam, comendo-se, para darem lugar umas às outras. Este percurso ou evolução iria convergir na fase adulta, resultando na criação dos 3 heterónimos (1914).

1914 é o ano do auge do fingimento orgânico em Pessoa; concretização da sua vocação máxima desde sempre, o dramaturgo, com o seu drama em gente.

Fernando Pessoa sofre desde criança o processo de se auto-questionar: Quem sou? Quantos sou?

Fernando Pessoa: "Fingir é conhecer-se."


HISTERO-NEURASTENIA

 Para a despersonalização, Pessoa terá consciência de que é histérico e de que a sua produção literária é fruto do silêncio masculino na histeria.
As várias personagens literárias possuem profissões, são médicos, psicólogos, psiquiatras e conselheiros de sexologia como o médico e psicólogo Dr. Faustino Antunes. Através destas personagens, Pessoa auto-medicamentava-se após proceder ao seu auto-
-diagnóstico. Ainda outros nomes: Dr. Geerdts, Dr. Belcher, Dr. Abílio Quaresma...

Pessoa é, simultaneamente, personagem e espectador de si próprio.


LOUCURA

Fernando Pessoa tem medo de enlouquecer como a sua avó. Álvaro de Campos morre louco em vez de Pessoa; Alberto Caeiro morre tuberculoso.

Pessoa concebe o Sanatório, uma espécie de templo, para exorcizar os seus medos: a Casa de Saúde de Cascais é esse templo, o local onde as personagens literárias e os heterónimos vão morrer - função catártica  das personagens pessoanas. Suicidam-se, morrem no lugar do seu criador e, deste modo, ele abandona os seus medos.


PERSONAGENS


São a sua compensação de várias maneiras tal como a literatura:

1 - Compensação dos amigos verdadeiros que não teve mas que quis ter.

2 - Compensação no campo sentimental e sexual pois elas tiveram as mulheres que Pessoa quis ter e não teve.

3 - São personagens bonitas como (H)Íbis e Álvaro de Campos. Elas são o auto-retrato que Pessoa gostaria de ter tido e uma vez que não se considerava alguém desejado: "Homem com ventas de contador de gás."

4 - Através destas personagens, Pessoa teve os seus iniciadores sexuais (Marcos Alves) a quem Fernando Pessoa confessa os seus problemas mais íntimos.

5 - Elas foram também os seus companheiros literários, através deles, Pessoa realizou as suas intenções literárias.

6 - A sua função foi semelhante à de Mário de Sá-Carneiro, serviram-lhe como alguém com quem Pessoa podia trocar ideias literárias.

7 - Através de uma destas personagens Pessoa foi mulher, foi Maria José, corcunda, feia, doente e que se apaixona por um serralheiro belo - escreve "Carta da corcunda para o serralheiro". Nesta carta, ela declara-se ao amado e expressa o seu desejo de que a mesma lhe seja entregue quando ela morrer.

A carta de Maria José retoma a temática da sensibilidade feminina que Pessoa diz ter e que a criação desta personagem vem confirmar.

A criação desta personagem exige uma maior despersonalização por parte de Pessoa na medida em que,

1 - é a metade de uma alma à janela, espectador(a) dos outros, vive da vida dos outros.

2 - é o desenvolvimento de um verso de Pessoa: "Eu sou o coração de ninguém." ... tal como Maria José.

A carta de Maria José faz parte de um conjunto de textos auto-       
-diagnóstico com função terapêutica.


https://viciodapoesia.com/2011/08/10/fernando-pessoa-carta-da-corcunda-para-o-serralheiro-lida-por-maria-do-ceu-guerra/


Maria José é uma personagem feminina que surge após os heterónimos e é também posterior aos semi-heterónimos/personagens literárias Vicente Guedes e Bernardo Soares; ela é a continuação destes dois médicos psicólogos.

É de Bernardo Soares o "Livro do Desassossego". Nele, Pessoa refere-se a farrapo humano, aborto...

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Uma frase de Pessoa que nos ajuda a compreender a sua obra: "Eu sou um poeta lírico que escreve poesia dramática."

**  poeta que se basta a si próprio, o que dispensa qualquer estudo que pode ser fundamental para o épico e para o dramático.
No domínio do lírico é o monólogo aquilo que encontramos nas personagens literárias ainda que separadamente; as personagens bastam-se a si próprias como é o caso da carta da Maria José. Dentro deste monólogo, todos os textos dialogam entre si = efabulação. São os EUs e TUs.

**  a sua obra deve ser entendida como uma co-relação entre os dois géneros literários: lírico e dramático. O dramático pressupõe uma situação: colocar em intenção um EU com um TU... constitui um fio de efabulação = enredo/acção.  



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