quinta-feira, 16 de novembro de 2017

'Screvo meu livro à beira mágoa - proposta de leitura


'Screvo meu livro à beira mágoa.
Meu coração não tem que ter.
Tenho meus olhos quentes de água.
Só tu, Senhor, me dás viver.
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
Quando virás a ser o Cristo
De a quem morreu o falso Deus,
E a despertar do mal que existo
A Nova Terra e os Novos Céus?
Quando virás, ó Encoberto,
Sonho das eras português,
Tornar-me mais que o sopro incerto
De um grande anseio que Deus fez?
Ah, quando quererás voltando,
Fazer minha esperança amor?
Da névoa e da saudade quando?
Quando, meu Sonho e meu Senhor?

Mensagem, Fernando Pessoa



Num momento em que a Pátria se sente “entristecer”, o sujeito poético escreve o seu “livro à beira mágoa” com os “olhos quentes de água”, manifestação física da sua Dor  e numa clara alusão ao acto de “chorar”.
O apelo a “Senhor”revela a esperança que o “eu”deposita neste, como única fonte de alento.
Este “Senhor” conhece ao longo do texto outros epítetos: “Rei”, 2ª est. e “Encoberto”, 4ª est., os quais nos remetem para o manifesto desejo da vinda de um Messias Salvador – o Sebastianismo como mito messiânico.
Vislumbra-se na esperança depositada no regresso deste “Messias”, uma tentativa de atenuar o próprio sofrimento que, deste modo, transforma o desespero em esperança através do sonho que, espera-se, virá a realizar-se no futuro.
Formalmente, de salientar a frequência de interrogações retóricas que podem sugerir o já referido estado de desespero do “eu”ou, também, a expectativa face a esse “Senhor” que há-de vir;  a confirmá-lo, a predominância de formas verbais no futuro.
Num e noutro caso está bem patente a dúvida que martiriza o sujeito poético relativamente à “Hora” do regresso do “Senhor” por ele sonhado.

Nota final – Este poema encontra-se profundamente marcado pela subjectividade lírica, pela interiorização das emoções e dos sentimentos.


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