“Não procures nem creias:
Tudo é oculto”
(Fernando Pessoa)
“Alberto Caeiro, desejando-se um simples
homem da natureza, inteiramente desligado dos valores da cultura,
pretendeu, sobretudo, ser; Álvaro de
Campos, sem se mostrar tão radical na recusa dos valores culturais - mas
contestando-os, afinal, de modo muito mais corrosivo - esforçou-se
principalmente por sentir, em lúcida
histeria, de acordo com os ritmos do mundo moderno; e Ricardo Reis, por seu
turno, não mais desejou que viver
segundo o ensinamento de todas as culturas, sinteticamente recolhidas numa
sabedoria que vem de longe e que nem por isso deixa de ser pessoal. Em suma:
uma arte de SER, uma arte de SENTIR, uma arte de VIVER..”
David
Mourão-Ferreira in O Rosto e as
Máscaras
A
QUESTÃO DOS HETERÓNIMOS
A questão humana dos heterónimos, tanto ou mais que a
questão puramente literária, tem atraído as atenções gerais. Concebidos como
individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e até um
horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais da sua
obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a
estranheza da existência. Traduzem, por assim dizer, a consciência da
fragmentação do eu, reduzindo o eu «real» de Pessoa a um papel que não é maior
que o de qualquer um dos seus heterónimos na existência literária do poeta.
Assim questiona Pessoa o conceito metafísico de tradição romântica da unidade
do sujeito e da sinceridade da expressão da sua emotividade através da
linguagem. Enveredando por vários fingimentos, que aprofundam uma teia de
polémicas entre si, opondo-se e completando-se, os heterónimos são a mentalização
de certas emoções e perspetivas, a sua representação irónica pela inteligência.
Deles se destacam três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
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Alberto Caeiro
Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a
génese dos seus heterónimos,
Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortónimo.
Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso, em 1915, embora a maior parte da sua
vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos
os seus poemas, os do livro O Guardador de Rebanhos, os de O Pastor
Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo os do último período da sua
vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí,
segundo Pessoa, a «novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra»). Sem
profissão e pouco instruído (teria apenas a instrução primária), e, por isso, «escrevendo
mal o português», órfão desde muito cedo, vivia de pequenos rendimentos, com
uma tia-avó. Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza»,
procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica,
caracterizando-se pelo seu panteísmo e sensacionismo, que, de modo diferente, Álvaro de
Campos e Ricardo Reis irão assimilar.
... / ...
Nasceu em 16 de Abril de 1885, em Lisboa,
cidade onde morreu tuberculoso em 1915 (porém, há poemas de Caeiro datados de
1930). De estatura média, era louro e tinha olhos azuis. Orfão de pai e mãe
desde muito cedo, viveu quase toda a vida no campo, numa quinta do Ribatejo,
com uma tia-avó.
Não
teve profissão (vivia de pequenos rendimentos) nem educação literária além da
quarta classe. Admirava Cesário Verde. Escrevia mal, segundo Ricardo Reis e
Fernando Pessoa. Apesar disso, todos (heterónimos e ortónimo) consideravam
Caeiro o Mestre. Com os seus ensinamentos Pessoa tenta aprender a viver
em paz.
CARACTERÍSTICAS
SEMÂNTICAS E IDEOLÓGICAS
·
Poesia
deambulatória (passeios pelo campo).
·
Comunhão
total com a Natureza – submissão do Homem às leis naturais (como uma planta ou
um rio), não devendo racionalizar os processos naturais (por exemplo, as ideias
de vida ou de morte, que existem como verdades absolutas). Considera-se “o único poeta da natureza”.
·
Panteísmo
– crença de que as coisas naturais são divinas, deuses; misticismo naturalista.
·
Objetivismo
pagão – descrença total na transcendência; a única verdade é a sensação, sobretudo
visual (sensacionismo): “Vi como um
danado”.
·
Predomínio
da sensação sobre o pensamento – renúncia do pensamento, pois este implica a
deturpação do significado das coisas: ”pensar
nas coisas é não as compreender”.
·
Recusa
do pensamento abstrato – é o poeta do real objetivo – nada existe para além
daquilo que é percetível através dos sentidos. Transforma o abstrato no
concreto.
·
Lírico,
instintivo, espontâneo, ingénuo, inculto (em relação à sabedoria escolar).
·
Recusa
a expressão em termos de sentimentos; recusa os poetas “místicos”.
·
Não
quer saber do Passado nem do Futuro – vive no Presente.
·
Fazer
poesia é uma atitude involuntária, é a sua maneira de estar vivo.
·
Rutura
com os cânones estéticos tradicionais, aos níveis temático e formal.
·
Amoralidade
– a realidade não é vista à luz da moralidade ou da imoralidade.
·
Contradições
– atribuídas à “doença”, à
necessidade de “falar a linguagem dos
homens”, à dificuldade de “aprender a
desaprender” ou ao sentimento amoroso.
CARACTERÍSTICAS FORMAIS
·
Ausência
de grandes preocupações estilísticas, nomeadamente a nível fónico: “escrevo a prosa dos meus versos”.
·
Vocabulário
e imagística do campo semântico da natureza.
·
Linguagem
simples, familiar, com tautologias (linguagem próxima da infantil: “uma borboleta é apenas borboleta / e a flor
é apenas flor”).
·
Versilibrismo:
verso livre e métrica irregular.
·
Frases
simples ou coordenadas com pontuação lógica.
·
Predomínio
do presente do indicativo (modo do real).
·
Adjetivação
pobre e sobretudo descritiva, objetiva.
·
Comparações,
simetrias, paralelismos de construção e assíndetos.
·
Ritmo
lento (remetendo para a calma aceitação das coisas).
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