quinta-feira, 16 de novembro de 2017

A QUESTÃO DOS HETERÓNIMOS - ALBERTO CAEIRO


“Não procures nem creias:
Tudo é oculto”
(Fernando Pessoa)




    “Alberto Caeiro, desejando-se um simples homem da natureza, inteiramente desligado dos valores da cultura, pretendeu, sobretudo, ser; Álvaro de Campos, sem se mostrar tão radical na recusa dos valores culturais - mas contestando-os, afinal, de modo muito mais corrosivo - esforçou-se principalmente por sentir, em lúcida histeria, de acordo com os ritmos do mundo moderno; e Ricardo Reis, por seu turno, não mais desejou que viver segundo o ensinamento de todas as culturas, sinteticamente recolhidas numa sabedoria que vem de longe e que nem por isso deixa de ser pessoal. Em suma: uma arte de SER, uma arte de SENTIR, uma arte de VIVER..
David Mourão-Ferreira in O Rosto e as Máscaras



A QUESTÃO DOS HETERÓNIMOS

    
A questão humana dos heterónimos, tanto ou mais que a questão puramente literária, tem atraído as atenções gerais. Concebidos como individualidades distintas da do autor, este criou-lhes uma biografia e até um horóscopo próprios. Encontram-se ligados a alguns dos problemas centrais da sua obra: a unidade ou a pluralidade do eu, a sinceridade, a noção de realidade e a estranheza da existência. Traduzem, por assim dizer, a consciência da fragmentação do eu, reduzindo o eu «real» de Pessoa a um papel que não é maior que o de qualquer um dos seus heterónimos na existência literária do poeta. Assim questiona Pessoa o conceito metafísico de tradição romântica da unidade do sujeito e da sinceridade da expressão da sua emotividade através da linguagem. Enveredando por vários fingimentos, que aprofundam uma teia de polémicas entre si, opondo-se e completando-se, os heterónimos são a mentalização de certas emoções e perspetivas, a sua representação irónica pela inteligência. Deles se destacam três: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

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Alberto Caeiro
    Segundo a carta de Fernando Pessoa sobre a génese dos seus heterónimos, Caeiro (1885-1915) é o Mestre, inclusive do próprio Pessoa ortónimo. Nasceu em Lisboa e aí morreu, tuberculoso, em 1915, embora a maior parte da sua vida tenha decorrido numa quinta no Ribatejo, onde foram escritos quase todos os seus poemas, os do livro O Guardador de Rebanhos, os de O Pastor Amoroso e os Poemas Inconjuntos, sendo os do último período da sua vida escritos em Lisboa, quando se encontrava já gravemente doente (daí, segundo Pessoa, a «novidade um pouco estranha ao carácter geral da obra»). Sem profissão e pouco instruído (teria apenas a instrução primária), e, por isso, «escrevendo mal o português», órfão desde muito cedo, vivia de pequenos rendimentos, com uma tia-avó. Caeiro era, segundo ele próprio, «o único poeta da natureza», procurando viver a exterioridade das sensações e recusando a metafísica, caracterizando-se pelo seu panteísmo e sensacionismo, que, de modo diferente, Álvaro de Campos e Ricardo Reis irão assimilar.


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    Nasceu em 16 de Abril de 1885, em Lisboa, cidade onde morreu tuberculoso em 1915 (porém, há poemas de Caeiro datados de 1930). De estatura média, era louro e tinha olhos azuis. Orfão de pai e mãe desde muito cedo, viveu quase toda a vida no campo, numa quinta do Ribatejo, com uma tia-avó.
    Não teve profissão (vivia de pequenos rendimentos) nem educação literária além da quarta classe. Admirava Cesário Verde. Escrevia mal, segundo Ricardo Reis e Fernando Pessoa. Apesar disso, todos (heterónimos e ortónimo) consideravam Caeiro o Mestre. Com os seus ensinamentos Pessoa tenta aprender a viver em paz.

CARACTERÍSTICAS SEMÂNTICAS E IDEOLÓGICAS

·     Poesia deambulatória (passeios pelo campo).
·     Comunhão total com a Natureza – submissão do Homem às leis naturais (como uma planta ou um rio), não devendo racionalizar os processos naturais (por exemplo, as ideias de vida ou de morte, que existem como verdades absolutas). Considera-se “o único poeta da natureza”.  
·     Panteísmo – crença de que as coisas naturais são divinas, deuses; misticismo naturalista.
·     Objetivismo pagão – descrença total na transcendência; a única verdade é a sensação, sobretudo visual (sensacionismo): “Vi como um danado”.
·     Predomínio da sensação sobre o pensamento – renúncia do pensamento, pois este implica a deturpação do significado das coisas: ”pensar nas coisas é não as compreender”.
·     Recusa do pensamento abstrato – é o poeta do real objetivo – nada existe para além daquilo que é percetível através dos sentidos. Transforma o abstrato no concreto.
·     Lírico, instintivo, espontâneo, ingénuo, inculto (em relação à sabedoria escolar).
·     Recusa a expressão em termos de sentimentos; recusa os poetas “místicos”.
·     Não quer saber do Passado nem do Futuro – vive no Presente.
·     Fazer poesia é uma atitude involuntária, é a sua maneira de estar vivo.
·     Rutura com os cânones estéticos tradicionais, aos níveis temático e formal.
·     Amoralidade – a realidade não é vista à luz da moralidade ou da imoralidade.
·     Contradições – atribuídas à “doença”, à necessidade de “falar a linguagem dos homens”, à dificuldade de “aprender a desaprender” ou ao sentimento amoroso.

CARACTERÍSTICAS FORMAIS

·     Ausência de grandes preocupações estilísticas, nomeadamente a nível fónico: “escrevo a prosa dos meus versos”.
·     Vocabulário e imagística do campo semântico da natureza.
·     Linguagem simples, familiar, com tautologias (linguagem próxima da infantil: “uma borboleta é apenas borboleta / e a flor é apenas flor”).
·     Versilibrismo: verso livre e métrica irregular.
·     Frases simples ou coordenadas com pontuação lógica.
·     Predomínio do presente do indicativo (modo do real).
·     Adjetivação pobre e sobretudo descritiva, objetiva.
·     Comparações, simetrias, paralelismos de construção e assíndetos.
·     Ritmo lento (remetendo para a calma aceitação das coisas).






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