quinta-feira, 11 de maio de 2017

"OS MAIAS": SIMBOLISMO / ELEMENTOS SIMBÓLICOS - 2ª PARTE


  

             
          
 A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete.
In Os Maias, 1888



Lisboa, Rua das Janelas Verdes - princípios do séc. XX
A. desc., [ca 1903]. - 1 fotografia : p&b
AML - ARQ. FOT. A242




     O Ramalhete está simbolicamente ligado à decadência moral do Portugal da Regeneração. O ramo de girassóis que ornamenta a casa simboliza a atitude do amante que, como um girassol, se vira continuamente para olhar o ser amado; girando sempre, numa atitude de submissão e de fidelidade para com o ser amado, o girassol associa-se à incapacidade de ultrapassar a paixão e a falta de recetividade do ser amado, ligando-se assim a Pedro e a Carlos. Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são comparados a mortalhas com que se envolvem cadáveres, prenunciam já a morte que se abaterá na família Maia. Concentra em si o peso da fatalidade familiar que lhe foi atribuída por Vilaça num relatório sobre a casa que enviou a Afonso, o qual se riu da observação; mas de facto é lá que morre Pedro na sequência do abandono de Maria Monforte e é lá também que Afonso vai morrer de desgosto após descobrir o incesto dos netos.
     O jardim do Ramalhete é rico em simbologias. Numa primeira e última fases, este espaço evidencia a tristeza e o abandono e, na desolação do jardim, sobressaem três símbolos do amor puro e imortal. O cipreste (símbolo da morte) e o cedro (símbolo do envelhecimento), unidos entre si por laços quase míticos que se perdem nos anais da mitologia grega, inseparáveis em vida, envolvidos num amor puro e forte e cuja recompensa foi a união incorruptível das suas raízes, que a tudo resistem, emblematizando o Amor Absoluto; podendo ainda estar ligados ao mundo romântico por serem árvores de cemitério conotadas com a morte, acabam por simbolizar duas personagens românticas mas que na teoria, se dizem realistas e que no final da obra ficam tão sós como estas duas árvores: Carlos e Ega. Velada por este par imortal, encontramos Vénus Citereia, deusa do amor, ligada à sedução e à volúpia, liga-se igualmente às três fases do Ramalhete: numa primeira fase relaciona-se com a morte de Pedro “enegrecendo a um canto”; numa segunda fase, e após a remodelação, aparece em todo o seu esplendor simbolizando a ressurreição da família para uma vida feliz e harmónica (a sua recuperação coincide com o aparecimento de Maria Eduarda), deixando adivinhar prenúncios de uma desgraça futura, enquanto símbolo da feminilidade perversa; na terceira e última fase, enquanto símbolo do Amor e do Feminino, aparece aos nossos olhos coberta “de ferrugem”, simbologia negativa, assumindo-se como duplo de Maria Eduarda, último elemento feminino que, através do amor, destruiu para sempre a frágil harmonia da família Maia. O facto de a estátua ser de mármore simboliza o universo clássico, numa nítida tentativa de relembrar a tragédia clássica; por outro lado, o mármore liga-se ao cemitério por ser frio como a morte e por ser o material usado nas campas. A cascata é, na tradição judaico-cristã, símbolo de regeneração e de purificação; cheia de água, conota-se com o choro, com as lágrimas, num nítido prenúncio da tristeza que se abatera sobre os Maias; como numa clepsidra, a água fluirá gota a gota, marcando a passagem inexorável do tempo e, acentuando melancolicamente, o implacável Destino d’ Os Maias, condenados ao desaparecimento, após a doçura ilusória de um “instante” que durou dois anos.


Páginas 171 - 175 do manual Aula Viva, Vol. I  



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