A casa que os Maias
vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua
de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas Verdes, pela casa do
Ramalhete ou simplesmente o Ramalhete.
In Os Maias, 1888
|
Lisboa, Rua das Janelas
Verdes - princípios do séc. XX
A. desc., [ca 1903]. -
1 fotografia : p&b
AML - ARQ. FOT. A242
O Ramalhete está simbolicamente ligado à
decadência moral do Portugal da Regeneração. O ramo de girassóis que
ornamenta a casa simboliza a atitude do amante que, como um girassol, se vira
continuamente para olhar o ser amado; girando sempre, numa atitude de submissão
e de fidelidade para com o ser amado, o girassol associa-se à incapacidade de
ultrapassar a paixão e a falta de recetividade do ser amado, ligando-se assim
a Pedro e a Carlos. Os móveis do escritório de Afonso estão cobertos de
panos brancos que são comparados a mortalhas com que se envolvem cadáveres,
prenunciam já a morte que se abaterá na família Maia. Concentra em si o peso da
fatalidade familiar que lhe foi atribuída por Vilaça num relatório
sobre a casa que enviou a Afonso, o qual se riu da observação; mas de facto é
lá que morre Pedro na sequência do abandono de Maria Monforte e é lá também
que Afonso vai morrer de desgosto após descobrir o incesto dos netos.
O jardim do Ramalhete é rico em simbologias. Numa
primeira e última fases, este espaço evidencia a tristeza e o abandono e, na
desolação do jardim, sobressaem três símbolos do amor puro e imortal. O cipreste
(símbolo da morte) e o cedro (símbolo do envelhecimento), unidos entre
si por laços quase míticos que se perdem nos anais da mitologia grega,
inseparáveis em vida, envolvidos num amor puro e forte e cuja recompensa foi a
união incorruptível das suas raízes, que a tudo resistem, emblematizando o Amor
Absoluto; podendo ainda estar ligados ao mundo romântico por serem árvores de
cemitério conotadas com a morte, acabam por simbolizar duas personagens
românticas mas que na teoria, se dizem realistas e que no final da obra ficam
tão sós como estas duas árvores: Carlos e Ega. Velada por este par imortal,
encontramos Vénus Citereia, deusa do amor, ligada à sedução e à volúpia,
liga-se igualmente às três fases do Ramalhete: numa primeira fase relaciona-se com a morte
de Pedro “enegrecendo a um canto”; numa segunda fase, e após a remodelação,
aparece em todo o seu esplendor simbolizando a ressurreição da família para uma
vida feliz e harmónica (a sua recuperação coincide com o aparecimento de Maria
Eduarda), deixando adivinhar prenúncios de uma desgraça futura, enquanto
símbolo da feminilidade perversa; na terceira e última fase, enquanto símbolo
do Amor e do Feminino, aparece aos nossos olhos coberta “de ferrugem”,
simbologia negativa, assumindo-se como duplo de Maria Eduarda, último elemento
feminino que, através do amor, destruiu para sempre a frágil harmonia da
família Maia. O facto de a estátua ser de mármore simboliza o universo
clássico, numa nítida tentativa de relembrar a tragédia clássica; por outro lado,
o mármore liga-se ao cemitério por ser frio como a morte e por ser o material
usado nas campas. A cascata é, na tradição judaico-cristã, símbolo de
regeneração e de purificação; cheia de água, conota-se com o choro, com as
lágrimas, num nítido prenúncio da tristeza que se abatera sobre os Maias; como
numa clepsidra, a água fluirá gota a gota, marcando a passagem inexorável do
tempo e, acentuando melancolicamente, o implacável Destino d’ Os Maias,
condenados ao desaparecimento, após a doçura ilusória de um “instante” que
durou dois anos.
Páginas 171 - 175 do
manual Aula Viva, Vol. I
Sem comentários:
Enviar um comentário
COMENTE, SUGIRA, PERGUNTE, OPINE...