quinta-feira, 11 de maio de 2017

O SIMBOLISMO EM "OS MAIAS" - 1ª PARTE






O simbolismo n' Os Maias

            Maria Eduarda é a terceira figura feminina na panóplia de três gerações da família Maia apresentadas na obra. Simbolicamente, o número três é o número da completude e implica a conjugação de três momentos temporais: o passado, o presente e o futuro, ou seja, a mulher surge na obra como um fator de transformação do mundo masculino, conduzindo à esterilidade, à estagnação. O terceiro elemento feminino torna-se a revelação simbólica dos outros dois que foram nefastos à família.
É ainda interessante ver a relação simbólica que, metonimicamente, se pode estabelecer entre os três lírios brancos que Carlos vê dentro de um vaso do Japão quando, pela primeira vez, tem acesso ao espaço físico onde Maria Eduarda se movimenta, a sua casa na Rua de S. Francisco, e as três mulheres que penetram na família Maia. Apesar da brancura dos lírios (conotada na tradição oriental com o luto), as flores murcham num vaso do Japão. A cultura europeia presente na decoração contracena com a cultural oriental, na qual a alvura representa a morte: a morte física de Maria Eduarda Runa e de Maria Monforte e a morte moral e espiritual (num tempo futuro) de Maria Eduarda Maia. Os lírios brancos, à partida conotados com a pureza, perdem a sua conotação positiva ao murcharem e passam e simbolizar a morte. O lírio concentra a ideia de prosperidade da raça, continuada de geração em geração. Por outro lado, o facto dos três lírios brancos se encontrarem num vaso do Japão aponta já para o incesto, pelo exotismo que representa esta peça decorativa, pois insere no espaço físico de Maria Eduarda uma cultura estranha à cultura ocidental.
Saliente-se que Carlos e Maria Eduarda terão os seus encontros quer na Toca, marcada por uma decoração excêntrica e exuberante, quer no quiosque japonês, pelo que retoma a simbologia de uma cultura estranha neste espaço.
A toca é o nome dado à habitação de certos animais, apontando desde logo para o caráter animalesco do relacionamento amoroso entre Carlos e Maria Eduarda. Carlos introduz a chave no portão da Toca com todo o prazer, sugerindo não só poder mas também o prazer das relações incestuosas (é de lembrar que a chave é um símbolo fálico). Da segunda vez que se alude à chave, os dois amantes experimentam-na o que passa a simbolizar a aceitação e entrega mútua. Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam a tragicidade da relação, estando carregados de presságios: nas tapeçarias do quarto “desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte”; de igual modo, este amor de Carlos e Maria Eduarda estava condenado a desmaiar e desaparecer; “... a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profano...” misturando o sagrado e o profano para simbolizar o desrespeito pelas relações fraternas. Assim, a descrição do quarto tem traços próprios de um local dedicado ao culto: a porta de comunicação “em arco de capela”, donde pendia “uma pesada lâmpada da Renascença” conferindo maior solenidade. Com o sol, o quarto “resplandecia como (...) um tabernáculo. Carlos mostrava-se indiferente aos presságios, inconsciente e distante, mas Maria Eduarda impressiona-se ao ver a cabeça cortada de S. João Baptista, que foi degolado por ter denunciado a relação incestuosa de Herodes, e a enorme coruja a fitar, com ar sinistro, o seu leito de amor (lembre-se que a coruja é considerada uma ave de mau agoiro, que surge aqui para vaticinar um futuro sinistro para este amor). O ídolo japonês que há na Toca remete para a sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta ligação incestuosa. Os guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas, a religião e os troféus agrícolas, os trabalhos que terão existido na família Maia (e no Portugal). Os dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora de tudo e de todos. Na primeira noite de amor entre Carlos e Maria Eduarda, a qual se dá precisamente na Toca, dá-se uma grande trovoada como que a pressagiar um mau ambiente que se criaria resultante deste incesto.
Maria Eduarda tem receios, desconhece a sua verdadeira identidade, mas que perscruta o futuro através da análise de pormenores das coisas ou das pessoas, análise essa que assume um valor simbólico ou premonitório, como acontece quando ela descobre semelhanças entre Carlos e a sua mãe.

Páginas 171 - 175 do manual Aula Viva, Vol. I  (adapt.)



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