O simbolismo n' Os Maias
Maria
Eduarda é a terceira figura feminina na panóplia de três gerações da família
Maia apresentadas na obra. Simbolicamente, o número três é o número da
completude e implica a conjugação de três momentos temporais: o passado, o
presente e o futuro, ou seja, a mulher surge na obra como um fator de
transformação do mundo masculino, conduzindo à esterilidade, à estagnação. O
terceiro elemento feminino torna-se a revelação simbólica dos outros dois que
foram nefastos à família.
É
ainda interessante ver a relação simbólica que, metonimicamente, se pode
estabelecer entre os três lírios brancos que Carlos vê dentro de um vaso do
Japão quando, pela primeira vez, tem acesso ao espaço físico onde Maria Eduarda
se movimenta, a sua casa na Rua de S. Francisco, e as três mulheres que
penetram na família Maia. Apesar da brancura dos lírios (conotada na tradição
oriental com o luto), as flores murcham num vaso do Japão. A cultura europeia
presente na decoração contracena com a cultural oriental, na qual a alvura
representa a morte: a morte física de Maria Eduarda Runa e de Maria Monforte e
a morte moral e espiritual (num tempo futuro) de Maria Eduarda Maia. Os lírios
brancos, à partida conotados com a pureza, perdem a sua conotação positiva ao
murcharem e passam e simbolizar a morte. O lírio concentra a ideia de
prosperidade da raça, continuada de geração em geração. Por outro lado, o facto
dos três lírios brancos se encontrarem num vaso do Japão aponta já para o
incesto, pelo exotismo que representa esta peça decorativa, pois insere no
espaço físico de Maria Eduarda uma cultura estranha à cultura ocidental.
Saliente-se
que Carlos e Maria Eduarda terão os seus encontros quer na Toca, marcada por
uma decoração excêntrica e exuberante, quer no quiosque japonês, pelo que
retoma a simbologia de uma cultura estranha neste espaço.
A toca
é o nome dado à habitação de certos animais, apontando desde logo para o
caráter animalesco do relacionamento amoroso entre Carlos e Maria Eduarda.
Carlos introduz a chave no portão da Toca com todo o prazer, sugerindo não só
poder mas também o prazer das relações incestuosas (é de lembrar que a chave é
um símbolo fálico). Da segunda vez que se alude à chave, os dois amantes
experimentam-na o que passa a simbolizar a aceitação e entrega mútua. Os
aposentos de Maria Eduarda simbolizam a tragicidade da relação, estando
carregados de presságios: nas tapeçarias do quarto “desmaiavam, na trama de lã,
os amores de Vénus e Marte”; de igual modo, este amor de Carlos e Maria Eduarda
estava condenado a desmaiar e desaparecer; “... a alcova resplandecia como o
interior de um tabernáculo profano...” misturando o sagrado e o profano para
simbolizar o desrespeito pelas relações fraternas. Assim, a descrição do quarto
tem traços próprios de um local dedicado ao culto: a porta de comunicação “em
arco de capela”, donde pendia “uma pesada lâmpada da Renascença” conferindo
maior solenidade. Com o sol, o quarto “resplandecia como (...) um tabernáculo.
Carlos mostrava-se indiferente aos presságios, inconsciente e distante, mas
Maria Eduarda impressiona-se ao ver a cabeça cortada de S. João Baptista, que
foi degolado por ter denunciado a relação incestuosa de Herodes, e a enorme
coruja a fitar, com ar sinistro, o seu leito de amor (lembre-se que a coruja é
considerada uma ave de mau agoiro, que surge aqui para vaticinar um futuro
sinistro para este amor). O ídolo japonês que há na Toca remete para a
sensualidade exótica, heterodoxa, bestial desta ligação incestuosa. Os
guerreiros simbolizam a heroicidade, os evangelistas, a religião e os troféus
agrícolas, os trabalhos que terão existido na família Maia (e no Portugal). Os
dois faunos simbolizam os dois amantes numa atitude hedonista e desprezadora de
tudo e de todos. Na primeira noite de amor entre Carlos e Maria Eduarda, a qual
se dá precisamente na Toca, dá-se uma grande trovoada como que a pressagiar um
mau ambiente que se criaria resultante deste incesto.
Maria
Eduarda tem receios, desconhece a sua verdadeira identidade, mas que perscruta
o futuro através da análise de pormenores das coisas ou das pessoas, análise
essa que assume um valor simbólico ou premonitório, como acontece quando ela
descobre semelhanças entre Carlos e a sua mãe.
Páginas 171 - 175 do manual Aula Viva, Vol. I (adapt.)
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