O DOS CASTELOS
A Europa jaz, posta nos cotovelos:
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O rosto com que fita é Portugal.
8-12-1928
Mensagem. Fernando Pessoa. Lisboa:
Parceria António Maria Pereira, 1934
(Lisboa: Ática, 10ª ed. 1972).
– O
poema está construído com base numa personificação da Europa, como se se
tratasse de um corpo humano. Esta personificação permite uma aproximação da
realidade da geografia física com o mito que deu origem à designação Europa e possibilita o realce de algumas
partes desse corpo.
– A
descrição vai-se desenvolvendo do geral para o particular. O sujeito poético
refere, logo no início do poema, o tema gerador da descrição – «A Europa» – e
apresenta os dois traços definidores: «jaz, posta nos cotovelos» e «fitando».
Estes dois traços serão desenvolvidos nas segunda, terceira e quarta estrofes.
A segunda estrofe caracteriza os dois «cotovelos», nomeia-os, indica a sua
forma e concretiza a visualização (o direito, representando a Inglaterra e o
esquerdo, a Itália, locais onde se encontram as raízes culturais que constituem
a identidade europeia). A terceira e quarta estrofes organizam-se em volta do
verbo «fitar», desvendando a simbologia do olhar no poema e justificando a
importância do rosto e do olhar.
– O
poema assenta em duas imagens contraditórias: uma imagem de lassidão, de
dormência transmitida pelo verbo jazer e uma outra de expectância, de
captação e de compreensão traduzida pelo verbo fitar o qual aponta,
igualmente, para uma renovação.. Estas duas imagens simbolizam a conjugação do
passado com o presente e com o futuro, denunciando a importância de Portugal na
construção desse futuro.
– A
importância de Portugal, rosto da Europa, e portanto, a face visível de tudo o
que ela representa, é posta em relevo pelo monóstico final do poema, sendo Portugal
visto também como cabeça (rosto) da Europa. A organização descritiva inicial do
poema, de maior fôlego, vai-se condensando, para se apoiar, na parte final, no
rosto e no olhar. A diminuição de versos nesta última parte indicia a
valorização crescente que se prenuncia e cuja tónica é colocada no último
vocábulo do poema – Portugal.
– O
texto poético apresentado é o primeiro poema da primeira parte, Brasão, da obra Mensagem. Como este poema já revela, há, na obra, uma valorização
de Portugal dentro da Europa e a “mensagem” que se procura veicular é a da
importância de um povo como vaticinador de um mundo novo, mas, simultaneamente,
a advertência para a decadência desse povo. Como acontece para a Europa, neste poema,
várias figuras históricas ou mitológicas são apresentadas em poemas distintos,
havendo o realce para os seus traços essenciais.
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