sábado, 21 de outubro de 2017

"OS CINCO SENTIDOS" DE ALMEIDA GARRETT




Os Cinco Sentidos
São belas - bem o sei, essas estrelas,
Mil cores - divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho, amor, olhos para elas:
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti - a ti!
Divina - ai! sim, será a voz que afina
Saudosa - na ramagem densa, umbrosa.
será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti - a ti!
Respira - n'aura que entre as flores gira,
Celeste - incenso de perfume agreste,
Sei... não sinto: minha alma não aspira,
Não percebe, não toma
Senão o doce aroma
Que vem de ti - de ti!
Formosos - são os pomos saborosos,
É um mimo - de néctar o racimo:
E eu tenho fome e sede... sequiosos,
Famintos meus desejos
Estão... mas é de beijos,
É só de ti - de ti!
Macia - deve a relva luzidia
Do leito - ser por certo em que me deito.
Mas quem, ao pé de ti, quem poderia
Sentir outras carícias,
Tocar noutras delícias
Senão em ti! - em ti!
A ti! ai, a tios meus sentidos
Todos num confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti;
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.

- temática: o amor - intenso, sincero, carnal;
- o sujeito poético aborda a problemática de cada sentido e a relação destes com a mulher;
- constituído por 6 estrofes, correspondem as 5 primeiras à caracterização superlativada dos cinco sentidos do tu, sendo a última estrofe uma confirmação da planificação do poema, em que todos os sentidos se confundem num só, com um desfecho no êxtase, num "delírio" total;

## vejamos então as quatro primeiras estrofes...

- a abordagem dos 5 sentidos é feita progressivamente, do mais abstrato para o mais físico; 
- na primeira estrofe, o olhar: sentido sensual que pode ser usado à distância;
- o sujeito poético estabelece uma relação entre a Natureza e a mulher, referindo qual a sua relação com ela;
- a sobrevalorização da mulher pode ser verificada na utilização da adversativa mas; do advérbio de exclusão Senão; na repetição a ti e na exclamação final Senão a ti - a ti!;
- na segunda estrofe, na relação que estabelece entre a mulher e a Natureza, a figura feminina é considerada superior quando comparada aos elementos da segunda; por exemplo, o rouxinol é considerado o exemplo máximo do canto harmonioso que, neste texto, é secundário para o sujeito poético que apenas tem ouvidos para a amada;
- o sentido privilegiado é a audição; ouvir, embora se perceba à distância, pressupõe a existência de uma maior proximidade;
- na terceira estrofe, a mulher é, de novo, caracterizada como superior à Natureza, sendo reforçada esta ideia de exclusividade da perfeição da amada pelas expressões...; esta é a mulher-anjo da estética romântica, possuidora das características da Natureza, é-lhe, no entanto, superior;
- o sentido implícito é o olfato que quase exige o contacto físico;
- na quarta estrofe, É a mulher mais próxima e sensual;
- o sentido aqui abordado, o paladar,  apenas pode ser concretizado, digamos, através do contacto físico;
- o carácter erótico do amor que se vinha notando desde o início é aqui reforçado pela quase apropriação física da mulher;
- Vv. 3-6 - hipérbato e reticências reveladores da perturbação emocional do eu;
- leia-se: formosos - tentadores; pomos - maçãs; indiciam a fome e evocam o pecado original; racimo - termo da botânica que designa o tipo de uma flor que nasce nas plantas ou frutas que se desenvolvem em cachos, como a uva; pode ser sinónimo de néctar; fome e sede - saciedade; remetem para o plano físico, da sensualidade;
- na quinta estrofe, o sentido é o tato, sendo que a relva é uma metáfora do corpo humano;
- [para]teatralidade = [para] = junto de; aproximado; 
- todo o discurso do eu se destina à mulher; estão presentes e a 2ª pessoa, tu e ti; estes dois aspetos conferem ao poema o seu caráter parateatral;
a
- em cada uma das estrofes, o sujeito poético enquadra o tu no meio de elementos da Natureza, em que é clara a existência de uma comparação. No entanto, o tu sai dela sublimado: na 1ª est. é comparado a flores, estrelas; na 2ª, ao rouxinol; na 3ª, ao incenso de perfume agreste; na 4ª, aos pomos saborosos e ao racimo de néctar e na 5ª est., à relva luzidia.
- "resumo"... na 1ª est. veem-se as estrelas e as flores (céu e terra) passando pela audição do rouxinol na 2ª est., o sentir da brisa na 3ª, o gosto dos dos frutos na 4ª est. ou a macieza da relva na 5ª est.. A caracterização faz-se do mais distante para o mais íntimo;
- na 6ª estrofe e como já referido no início desta análise, assistimos à planificação do poema em que todos os sentidos se confundem = delírio dos sentidos = desordem essa já evidenciada na acumulação de formas verbais do verso Sentem, ouvem, respiram, reveladoras da agitação interior do eu;
- de salientar a presença de duas realidades absolutas, Amor e Morte, cuja associação é já conhecida na poesia romântica;
- Anáfora;
- é possível estabelecer um paralelo entre este poema e a lírica trovadoresca = ideia da Morte de Amor por... das cantigas de Amor = impossibilidade de comunicação que conduz à morte poética ou fingimento poético; em Garrett, assistimos ao excesso de felicidade e de prazer que conduz à morte psicológica;
- aspetos temáticos que evidenciam a presença do Romantismo: ligação Amor/Morte; ligação Amor/Natureza; valorização da sensualidade e sobrevalorização da Mulher;
- clima erótico entre EU/TU é realçado pela variação do refrão e pelo valor das preposições que nele alternam:



a ti - preposição que remete para um contacto exterior ao tu;

de ti - preposição apontando para o contacto físico;

em ti - denota uma aproximação que pressupõe a partilha de sensações.

- o pronome Ti revela uma forma direta e íntima de relação; o eu refere-se, dirige-se a uma pessoa que supera o mundo em todas as suas vertentes sensíveis, é maior e melhor que todas as outras e do que aquilo que o rodeia;
- este é também um poema de frustração: se a ordem por que aparecem os sentidos é ascendente, do mais distante para o mais próximo, ela é também descendente [do céu para a terra >há uma aproximação;
- destrói-se no eu a sua aspiração à Mulher-Anjo, ao Ideal e à Beleza Pura que se anuncia em Ignoto Deo; o poeta sabe-o bem mas, para a sua frustração, prefere o Sentir ao Saber;

*** a ti - visão;

                                  >     contemplação
       a ti - audição 


*** de ti - olfato

                                 >      proximidade
       de ti - gosto 

*** em ti - tato       >       intimidade



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