Lisboa no tempo de Camões
Ano de 1521. Inicia-se o longo reinado de D. João III. Portugal
vive ainda a euforia das realizações marítimas do tempo de D. Manuel, O Venturoso. D. João III surge como o
continuador de uma política expansionista, para a qual lhe vão faltando as
estruturas de apoio necessárias. O comércio era a grande base da economia
portuguesa. No entanto, o país pouco produzia e, pelo contrário, aumentava a
sua dependência quanto à prata que, originária da América do Sul, chegava à
Espanha em enormes quantidades. Este metal torna-se cada vez mais necessário
para alimentar o comércio com o Oriente. A ausência de empresas manufatureiras
obriga Portugal à compra de produtos, para os quais se fornecia a
matéria-prima, que vai chegando dos vários pontos do Império. Crises agrícolas
sucessivas obrigam o país a importações praticamente anuais de trigo castelhano
e, assim, a economia nacional depende cada vez mais do comércio colonial.
Todos
estes problemas vão obrigar o Rei a abandonar várias praças africanas, de 1534 a 1540. O déficit
vai crescendo. Apesar disso, o tipo de vida mantém-se com o mesmo luxo e
riqueza. A sociedade portuguesa, principalmente a classe nobre, vê-se na quase
total dependência do rei. Do monarca depende para concessão de qualquer mercê,
seja nobre ou mercador. Ao rei acorre o povo a apresentar as suas queixas nas
poucas cortes que convoca. A coroa domina no campo comercial através do seu
monopólio: é ela a maior proprietária. Desta interferência só se vai libertando
o clero, pois constitui o apoio do rei para
a efetuação da sua política absoluta.
D.
João III orgulha-se de praticar o mecenato: em torno da sua corte evoluem as
personalidades mais significativas do Renascimento português, como Garcia de
Resende, Damião de Góis, Pedro Nunes. Lança-se na campanha reformista da
Universidade, transferida de vez para Coimbra. Funda o Colégio das Artes.
Mais
tarde, a tendência religiosa e mesmo fanática de D. João III leva-o a perseguir
personalidades de nomeada no ensino,, que se mostravam abertas às novas ideias
reformistas. Muitos foram entregues à Inquisição. Esta viragem na maneira de
pensar real afasta da Corte os poucos espíritos renascentistas ainda existentes
no panorama português. A Inquisição e o tratamento pouco acolhedor dado a
muitos dos pensadores estrangeiros atraídos a Portugal pela fama da corte
portuguesa, não facilita a existência de muitos humanistas no país.
Ano de 1550. Portugal assiste ao findar do governo de D. João III
e à impossibilidade de manter um império tão extenso. Não podendo conservar o
monopólio dos mares, desmoronam-se as bases com que o país se elevara ao
primeiro plano, entre as nações europeias, em décadas anteriores.
É
assim o Portugal desta época: vivendo os restos de uma grandeza que vai girando
em torno de uma corte cujo centro é um rei ilusoriamente mecenático. Lisboa,
capital do reino, cidade onde a corte vive e o povo sobrevive, é o centro das
atenções de quem quer progredir.
Para
esta cidade vem um mancebo de ascendência vagamente nobre, mas de escassos
recursos. Procura, como tantos outros, um emprego na corte e traz a cabeça
cheia de trovas. Esse mancebo que, em 1550, atravessou o chamado Terreiro do
Paço em direção ao Paço da Ribeira, chamava-se Luís Vaz de Camões.
LINA FERREIRA PAZ,
Luís Vaz de Camões ou A Universalidade de Um
Pensamento
(texto adaptado)
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