terça-feira, 17 de novembro de 2015

LÍRICA CAMONIANA - A MULHER EM CAMÕES... O AMOR (2)




«Os conceitos de amor passivo e ativo já definidos pressupõem, como é óbvio, a existência de dois tipos de mulher: a que é intocável, misteriosa, sempre ausente mesmo quando presente - a ausência é a sua presença ou a presença é a sua ausência, ela está sempre para além do «véu terrestre», - perante a qual o poeta se coloca de joelhos em atitude de vassalagem e de adoração. É a Laura de Petrarca. “O poeta toscano levara à sua forma extrema a conceção que encontramos virtualmente nos trovadores provençais e nos romances de cavalaria. A mulher é nas suas Rime o objeto por excelência do homem. Nada tem de comum com ele: é uma representação que se põe diante dele. (...) O objeto da musa de Petrarca. Laura, cantada, viva e morta, ao longo de dezenas de anos, exprime inalteravelmente o mesmo ideal que resplandece como um sol sem nuvens. Ela é a beleza, com os seus cabelos que fazem perder o preço ao ouro, o seu gesto sereno, a sua alegria grave, a sua harmonia pura e exata, que dá sentido à natureza, como as ninfas de Boticelli no meio das flores, mas sem o corpo visível. É inacessível e intocável. O seu sorriso é impessoal como o de Gioconda. (...) Viva não é deste mundo. Petrarca chora inconsolavelmente a sua ausência, sempre no mesmo tom elegíaco. (...) A morte dela não é um desastre, antes uma nova forma de ausência - ausência a que se reduziu sempre a presença de Laura.»
ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA
Outro tipo de mulher é a terrena, modelada de formas ondulantes e atraentes, perante a qual homem se sente irresistivelmente atraído, causando-lhe a alegria dos sentidos. É a Vénus que enche Os Lusíadas e cujas formas graciosas apaziguam tempestades e vinganças. É a mulher deste mundo que o poeta viu morrer à sua frente, afogada em naufrágio nas águas do rio Mecom; é a mulher que o poeta viu na corte de D. João III, pela qual se apaixonou mesmo sabendo da impossibilidade de a conquistar por razões de ordem social; é a Inês de Castro que ama loucamente D. Pedro, mesmo sabendo que esse amor pode custar-lhe a própria vida.
Para concluir, referimos uma vez mais as palavras de A. José Saraiva: «Há, pois, uma oposição profunda entre as duas ideias da Lírica: Laura e Vénus. Uma é centrífuga em relação à terra, outra é centrípeta; uma é a negação do sensível, outra é a sua afirmação; uma cabe dentro dos mol­des da hierarquia feudal, outra quebra-os; uma é transcendentalista, outra é imanentista. A poesia de Camões acha-se partida pelo meio.»

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