«Os conceitos de amor passivo e ativo
já definidos pressupõem, como é óbvio, a existência de dois tipos de mulher: a
que é intocável, misteriosa, sempre ausente mesmo quando presente - a ausência é a sua presença ou a presença é a sua ausência,
ela está sempre para além do «véu terrestre», - perante a qual o poeta se
coloca de joelhos em atitude de vassalagem e de adoração. É a Laura de
Petrarca. “O poeta toscano levara à sua forma extrema a conceção
que encontramos virtualmente nos trovadores provençais e nos romances de
cavalaria. A mulher é nas suas Rime o objeto por excelência do homem. Nada tem de comum com ele: é uma representação que se põe diante dele. (...) O objeto da musa de Petrarca. Laura,
cantada, viva e morta, ao longo de dezenas de anos, exprime inalteravelmente o
mesmo ideal que resplandece como um sol sem nuvens. Ela é a beleza, com os seus
cabelos que fazem perder o preço ao ouro, o seu gesto sereno, a sua alegria grave,
a sua harmonia pura e exata, que dá sentido à natureza, como as ninfas de
Boticelli no meio das flores, mas sem o corpo visível. É inacessível e
intocável. O seu sorriso é impessoal como o de Gioconda. (...) Viva não
é deste mundo. Petrarca chora inconsolavelmente a sua
ausência, sempre no mesmo tom elegíaco. (...) A morte dela não é um desastre,
antes uma nova forma de ausência - ausência a que se reduziu sempre a presença
de Laura.»
ANTÓNIO JOSÉ SARAIVA
Outro tipo de mulher é a terrena,
modelada de formas ondulantes e atraentes, perante a qual homem se sente
irresistivelmente atraído, causando-lhe a alegria dos sentidos. É a Vénus que
enche Os Lusíadas e cujas formas
graciosas apaziguam tempestades e vinganças. É a mulher deste mundo que o poeta
viu morrer à sua frente,
afogada em naufrágio nas águas do rio Mecom; é a mulher que o poeta viu na corte de D. João III, pela qual
se apaixonou mesmo sabendo da impossibilidade de a conquistar por razões de
ordem social; é a Inês de Castro que ama loucamente D. Pedro, mesmo sabendo que
esse amor pode
custar-lhe a própria vida.
Para concluir,
referimos uma vez mais as palavras de A. José Saraiva: «Há, pois, uma
oposição profunda entre as duas ideias da Lírica: Laura e Vénus. Uma é
centrífuga em relação à terra, outra é centrípeta; uma é a negação do sensível,
outra é a sua afirmação; uma cabe dentro dos moldes da hierarquia feudal,
outra quebra-os; uma é transcendentalista, outra é imanentista. A poesia de Camões
acha-se partida pelo meio.»
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