1.
Na linha da temática palaciana
Mote
Perdigão perdeu a pena,
não há mal que lhe não venha.
Voltas
Perdigão, que o pensamento
subiu em alto lugar,
Perde a pena do voar,
ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
asas, com que se sustenha:
não há mal que lhe não venha.
Quis voar a uma alta torre
mas achou-se desasado
e, vendo-se depenado
de puro penado morre.
Se a queixumes se
socorre,
lança no fogo mais lenha:
não há mal que lhe não venha.
Luís de Camões
TEMA:
O Amor [não correspondido: o assunto]
O
tom que se evidencia do poema é espirituoso devido, sobretudo, ao jogo de
palavras, ou trocadilho, com a palavra “pena”. Este jogo desenrola-se entre o
significado e o significante (polissemia) considerando as virtualidades
semânticas do vocábulo “pena”
Pena
do voar = sonho
Pena
do tormento = realidade
Pena
do escrever = escrita
O
drama íntimo latente no verso não há mal que lhe não venha. passa a
drama universal: não há mal que venha só e assim, um quadro simples conduz a
uma ideia universal.
Versos 1 e 2 e 8 – o pensamento [sonho] elevou o perdigão a
um alto lugar que, como consequência da sua ambição, perdeu a pena do voar.
Nas duas voltas são os seguintes os elementos
associados à ideia de sonho… O mesmo,
mas agora para a ideia de realidade…
O eu poético constata que a realidade prevalece e que se resume à ideia
de que o sonho alimentado era impossível - Perde a pena do voar, - e que a dor que o reconhecimento traz consigo, ganha
… ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
asas, com que se sustenha:
= o “eu” já não
pode sonhar nem pode lamentar a sua sorte porque “alto lugar” e “alta torre”
remetem para a ideia de um amor inatingível.
O eu poético escreve sobre a sua dor o que aviva a memória do
que aconteceu aumentando, assim, o seu sofrimento.
Tal como Ícaro, o eu poético paga o preço da sua
ambição desmedida. As asas com que sonha são, como as do herói grego, demasiado
frágeis para a sua ousadia, pelo que a queda e o sofrimento seriam inevitáveis.
A falta
da pena de voar traz-lhe a presença da pena castigo
e da pena sofrimento e que mais aumenta quanto maior for a
queixa. (adaptado)
O ato de escrever representado pela pena, utensílio
de escrita, alia-se a essa outra pena, a do sofrimento, … mas se o poeta não
voa, se perde a pena que representa o sonho, então resta-lhe sentir, receber
todos os sofrimentos e morrer depenado.
** Vilancete, mote de 2 versos e voltas de 7 versos
Métrica - redondilha maior
Rima ABBAACC - interpolada em A; emparelhada em B, A e C.
*** antítese/trocadilho - Perde a pena / ganha a pena
**** Perdigão/ Perdiz - em muitas culturas é símbolo do apelo do amor, da mulher mas que, na tradição cristã, representa a tentação e a perdição.
~*~ do tormento - do Amor; desasado - sem membro, companhia; depenado - sofrimento.
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