quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

ANÁLISE DE DESCALÇA VAI PARA A FONTE


Estilo engenhoso / medida velha

1.      De tradição trovadoresca

(Cantiga  ¹ )


Mote


Descalça vai para a fonte

Lianor pela verdura;

vai fermosa, e não segura.


Voltas


Leva na cabeça o pote,

o testo nas mãos de prata,

cinta de fina escarlata,

sainho de chamalote;

traz a vasquinha de cote,

mais branca que a neve pura;

vai fermosa, e não segura.


Descobre a touca a garganta,

cabelos de ouro o trançado,

fita de cor de encarnado,

tão linda que o mundo espanta;

chove nela graça tanta

que dá graça à fermosura;

vai fermosa, e não segura.


Luís de Camões

(Cantiga  ¹ ) – era a designação geral atribuída, na época, às composições em redondilha mas, na realidade, esta composição é um vilancete; chamalote – tecido de lã; vasquinha – saia com muitas pregas na cintura; de cote – de uso diário.


Antes de entrarmos na análise do texto propriamente dita, é importante distinguir Vilancete de Cantiga.

Classificam-se como vilancetes as composições cujo mote possui entre 2 a 3 versos e as voltas ou glosas (uma ou mais por texto) 7 versos, sétimas, devendo cada uma das voltas repetir como último verso, o último verso do mote.

Do mesmo modo, classificam-se como cantigas as composições cujo mote possui 4 ou 5 versos e as voltas ou glosas (uma ou mais por texto) 8 ou 10 versos, oitavas ou décimas, devendo cada uma das voltas repetir como último verso, o último verso do mote.
Este texto é fundamentalmente uma descrição de Lianor em que o sujeito poético “tenta” aqui a abordagem da temática amorosa, ou do Amor, com um tom ligeiro.
Este texto aproxima-se das tradicionais cantigas de amigo tanto formal como tematicamente: por um lado, é uma redondilha, por outro, estamos em presença de uma jovem que vai à fonte, temática recorrente naquele género medieval.

A jovem é descrita como estando descalça, indo formosa e não segura. Aqui, a falta de segurança, pode ser o resultado da sua beleza que a torna alvo de sedução ou tentações do Amor, contra os quais se encontra desprotegida e livre.

Os elementos que prendem a atenção do sujeito poético são a sua vestimenta e a sua beleza. Relativamente à primeira, o eu utiliza referências cromáticas (de cor) que podem ser associadas à sua juventude, como o “escarlata” ou o “encarnado”. Por outro lado, os cabelos de ouro e as mãos de prata sugerem a pureza e a beleza, característicos do modelo clássico de mulher ideal.


Outros elementos a considerar:

- metáfora - nas mãos de prata

- comparação e hipérbole - mais branca que a neve pura;

- as formas verbais Leva – traz – vai – chove conferem movimento à descrição, dinamismo.

- bem ao gosto petrarquista, o eu poético faz uma descrição desta rapariga, assumindo uma posição meramente contemplativa. Na sua contemplação, destaca os atributos físicos em detrimento da característica psicológica, e não segura, única representação neste soneto.

A referência ao cabelos de ouro – metáfora – e às mãos brancas de neve/prata, são igualmente aspetos de natureza e preferência petrarquistas. A predominância de nomes e de adjetivos permitem salientar a beleza e a graciosidade da jovem nesta descrição.

Em forma de refrão, o verso “vai fermosa, e não segura” resume o retrato físico no adjetivo “fermosa” embora “e não segura” acrescente a esta descrição predominantemente física, o único traço psicológico que é atribuído a esta mulher.

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