Estilo engenhoso / medida velha
1.
De tradição trovadoresca
(Cantiga ¹ )
Mote
Descalça vai para a fonte
Lianor pela verdura;
vai fermosa, e não segura.
Voltas
Leva na cabeça o pote,
o testo nas mãos de prata,
cinta de fina escarlata,
sainho de chamalote;
traz a vasquinha de cote,
mais branca que a neve pura;
vai fermosa, e não segura.
Descobre a touca a garganta,
cabelos de ouro o trançado,
fita de cor de encarnado,
tão linda que o mundo espanta;
chove nela graça tanta
que dá graça à fermosura;
vai fermosa, e não segura.
Luís de Camões
(Cantiga ¹ ) – era a designação geral atribuída, na
época, às composições em redondilha mas, na realidade, esta composição é um
vilancete; chamalote – tecido de lã; vasquinha – saia com muitas pregas na
cintura; de cote – de uso diário.
Antes
de entrarmos na análise do texto propriamente dita, é importante distinguir Vilancete de Cantiga.
Classificam-se
como vilancetes as composições
cujo mote possui entre 2 a 3 versos e as voltas ou glosas (uma ou mais por
texto) 7 versos, sétimas, devendo cada uma das voltas repetir como último
verso, o último verso do mote.
Do
mesmo modo, classificam-se como cantigas
as composições cujo mote possui 4 ou 5 versos e as voltas ou glosas (uma ou
mais por texto) 8 ou 10 versos, oitavas ou décimas, devendo cada uma das voltas
repetir como último verso, o último verso do mote.
Este
texto aproxima-se das tradicionais cantigas de amigo tanto formal como
tematicamente: por um lado, é uma redondilha, por outro, estamos em presença de
uma jovem que vai à fonte, temática recorrente naquele género medieval.
A
jovem é descrita como estando descalça, indo formosa e não segura. Aqui, a
falta de segurança, pode ser o resultado da sua beleza que a torna alvo de
sedução ou tentações do Amor, contra os quais se encontra desprotegida e livre.
Os
elementos que prendem a atenção do sujeito poético são a sua vestimenta e a sua
beleza. Relativamente à primeira, o eu
utiliza referências cromáticas (de
cor) que podem ser associadas à sua juventude, como o
“escarlata” ou o “encarnado”. Por outro lado, os cabelos de ouro e as mãos de prata sugerem a pureza e a beleza, característicos do modelo
clássico de mulher ideal.
Outros
elementos a considerar:
-
metáfora - nas mãos de prata
- comparação
e hipérbole - mais branca que a neve
pura;
-
as formas verbais Leva – traz – vai –
chove conferem movimento à descrição, dinamismo.
-
bem ao gosto petrarquista, o eu poético faz uma descrição desta rapariga, assumindo
uma posição meramente contemplativa. Na sua contemplação, destaca os atributos
físicos em detrimento da característica psicológica, e não segura, única representação neste soneto.
A
referência ao cabelos de ouro – metáfora – e às mãos brancas de neve/prata,
são igualmente aspetos de natureza e preferência petrarquistas. A predominância
de nomes e de adjetivos permitem salientar a beleza e a graciosidade da jovem
nesta descrição.
Em
forma de refrão, o verso “vai fermosa, e não segura” resume o retrato físico no
adjetivo “fermosa” embora “e não segura” acrescente a esta descrição predominantemente
física, o único traço psicológico que é atribuído a esta mulher.
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